A Europa precisa de bebês. Sob a sombra do envelhecimento populacional que assola o continente há anos, a ultradireita apresenta opções. Nomes como Giorgia Meloni, Viktor Orbán e Marine Le Pen unem às suas políticas anti-imigração a ideia de que casais europeus precisam procriar em nome da pátria —ideia esta que vem ressoando nos Estados Unidos sob Donald Trump.
No final do mês passado, por exemplo, Orbán, primeiro-ministro da Hungria que inspirou populistas do mundo inteiro com suas políticas autocráticas, anunciou que diminuiria o número mínimo de filhos necessários para receber isenção de impostos pela metade, de quatro para dois. A política inaugurada em 2023 afeta apenas as mães dessas crianças. Os pais continuam a pagar impostos.
A política foi elogiada por Elon Musk, magnata à frente da Tesla, SpaceX e do X, antigo Twitter, que se tornou um dos mais influentes conselheiros do presidente americano. De origem sul-africana, Musk tem ao menos 12 filhos e usa seu perfil no X para bradar contra o uso da pílula anticoncepcional e em favor de famílias numerosas.
O vice de Trump, J.D. Vance, demonstrou ter uma visão semelhante em 2021, quando chamou mulheres sem filhos de “loucas dos gatos”. A declaração, que tinha entre seus alvos a ex-vice-presidente Kamala Harris, foi resgatada durante a campanha presidencial.
Por fim, o próprio Trump anunciou uma proposta alinhada a essa retórica recentemente, ao anunciar incentivos à fertilização in vitro. O assunto tinha sido alvo de protestos de alguns republicanos sulistas durante as eleições, uma vez que o procedimento ocasionalmente leva ao descarte de embriões.
Para Judith Goetz, pesquisadora da rede alemã Mulheres e Extremismo de Ultradireita, as políticas pró-natalistas que proliferam dos dois lados do Atlântico têm muitas semelhanças. Afinal, o “America First”, ou EUA em primeiro lugar, “enfatiza valores da família tradicional e de identidade nacional, o que ressoa com o discurso pró-natalista da ultradireita europeia”, diz.
Além disso, Trump indicou para o governo nomes associados ao Projeto 2025 da Heritage Foundation, uma plataforma ultraconservadora que vê na família a chave da “busca para uma boa vida”.
Goetz reforça, no entanto, que a procriação é uma espécie de salvação da pátria não é nova na Europa —posição compartilhada com Andrea Pato, professora de estudos de gênero na Universidade Centro-Europeia, na Áustria.
Ambas afirmam que o continente já viveu momentos de baque demográfico, como as grandes guerras, em que mulheres eram convocadas a procriar para compensar as perdas. Agora, porém, o projeto ganha “subtons eugenistas”, nas palavras de Goetz, e bebe de uma fonte controversa, a teoria conspiratória conhecida como “A Grande Substituição”.
De autoria do francês Renaud Camus, ela afirma que as elites cooperam para substituir populações europeias brancas, afetadas por baixas nas taxas de fecundidade, por povos não-brancos por meio da migração em massa. A solução para os teóricos da conspiração seria, assim, o incentivo à procriação.
Katalin Novak, ex-presidente da Hungria, era uma das vozes da defesa do natalismo no governo Orbán. Ela continuou defendendo a bandeira mesmo depois que se viu obrigada a renunciar ao cargo, após perdoar um homem condenado por pedofilia. No ano passado, ela fundou uma ONG dedicada à promoção global do projeto de crescimento populacional, a XY Worldwide.
São figuras femininas como Novak, a primeira-ministra italiana Meloni e a política francesa Le Pen que atuam como garotas-propaganda da ideia de centralidade na família. Meloni, por exemplo, bradou que era “mulher, mãe, italiana, cristã” em um discurso famoso de 2021 em que contestava os direitos LGBTQIA+.
“[Meloni e Le Pen] se posicionaram estrategicamente como figuras que simbolizam os valores familiares”, diz Goetz. “Ao enfatizar o papel de mães em público, elas tentam normalizar as políticas natalistas centralizadas na família.”
A pesquisadora alemã acrescenta que essas personagens costumam navegar bem a contradição de se apresentarem como matriarcas acima de tudo e trabalharem profissionalmente na política. Ela cita outra figura semelhante, Barbara Rosenkranz, liderança do partido de ultradireita Freiheitliche Partei Österreichs que foi integrante da Assembleia Nacional, mas dizia que sua principal função era ser mãe —de dez filhos— e dona de casa.
Essa ênfase na maternidade busca justificar políticas que encorajam mulheres a assumir papéis tradicionais, “posicionando a maternidade como uma escolha pessoal e um dever nacional”, diz Goetz.
Pato considera o “familismo” um dos pilares do nacionalismo europeu atual. O termo implica a compreensão da família como “fundação da nação” e “subjuga direitos reprodutivos individuais à demanda nacional pela reprodução”.
Líderes que promovem essas ideias “não precisam de um gabarito vindo dos EUA”, observa Goetz. “Mas acredito que os partidos da ultradireita europeia se sentem validados pelo que acontece lá, como uma forma de justificar ainda mais a sua agenda nacionalista e pró-natalista.”