Ucrânia marca três anos de guerra sem contar com os EUA – 24/02/2025 – Mundo

Há dois anos, um otimista Volodimir Zelenski recebia em Kiev o então presidente americano, Joe Biden, para celebrar a resistência da Ucrânia ante a invasão russa enquanto preparava uma contraofensiva que prometia repeliar os rivais.

O evento para marcar o terceiro aniversário da maior guerra em solo europeu desde 1945, nesta segunda (24), não poderia ser mais anticlimático. Biden já não ocupa a Casa Branca, e seu sucessor, Donald Trump, está alinhado a ninguém menos do que Vladimir Putin no esforço para acabar com o conflito.

Zelenski só conta de fato com a Europa, dividida e atônita com a posição agressiva do republicano, que ameaça toda a estrutura de segurança do continente vigente desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Com efeito, só apareceram para o evento em Kiev líderes de países com menor densidade política, como Dinamarca, Islândia, Letônia, Lituânia, Finlândia, Noruega, Espanha e Suécia, além do demissionário canadense Justin Trudeau e da dupla do comando a União Europeia, Ursula von der Leyen e Antonio Costa.

Países de primeiro time, como Reino Unido e Alemanha, marcaram presença por vídeo. O francês Emmanuel Macron rumava para encontrar-se com Trump em Washington, e nenhum americano deu as caras, nem virtualmente.

“A Ucrânia está viva, lutando e nosso país tem mais amigos no mundo do que nunca”, disse Zelenski. Ele recebeu o anúncio de que a União Europeia vai liberar em março uma parcela do pacote de apoio financeiro ao país de € 3,5 bilhões (R$ 21 bilhões), além de € 1 bilhão (R$ 6 bilhões) em armas da Espanha, mas as interrogações suplantam qualquer otimismo.

Do ponto de vista militar, os EUA eram de longe os maiores apoiadores de Kiev, tendo alocado cinco vezes mais ajuda do que a Alemanha, segunda colocada. Além de não ter capacidade de produção de armas igual à dos americanos, há a questão política acerca de elevar ainda mais os gastos.

Há duas semanas, Trump abandonou o apoio incondicional à Ucrânia, ligou para Putin e colocou delegações russa e americana para conversar sobre o fim da guerra sem a presença de ucranianos ou europeus.

Partiu para a agressão contra Zelenski, chamando-o de ditador, a tal ponto que o presidente disse que até poderia renunciar se isso garantisse a entrada de Kiev na aliança militar Otan, o que protegeria os ucranianos contra novas ações russas por implicar a Terceira Guerra Mundial na prática.

Trump, contudo, já disse que veta a ideia, assim como comprou a visão russa sobre a origem do conflito, exigindo cessões territoriais de Kiev.

Por fim, apresentou uma fatura de US$ 500 bilhões (R$ 2,8 trilhões) em reservas minerais ucranianas para bancar o que os EUA já gastaram e, teoricamente, outras salvaguardas. Algum acordo parece próximo, restando saber os termos.

Aos europeus, que buscam refazer pontes com Trump nesta semana, sobrou por ora o discurso. Falando por vídeo, o premiê britânico, Keir Starmer, tentou contemporizar. “Trump mudou a conversa global nas últimas semanas, e isso criou uma oportunidade. Se quisermos que a paz dure, a Ucrânia precisa ter assento à mesa”, disse ele, que vai a Washington na quinta (27).

“Esta é uma luta pela sobrevivência, não é apenas o futuro da Ucrânia que está em jogo. É o destino da Europa”, escreveu Von der Leyen no X.

Enquanto os líderes faziam uma homenagem silenciosa aos caídos na guerra, as sirenes soaram em Kiev. Não houve, contudo, ataque —os russos já haviam lançado 185 drones contra o país durante a noite, sem causar aparentes estragos.

Putin, por sua vez, marcou o terceiro ano da guerra que deveria durar três dias na estimativa americana com um telefonema a seu maior aliado, o líder chinês Xi Jinping. Ele o informou acerca dos detalhes das negociações diretas com o americano.

Como a Folha mostrou na semana passada, há desconfiança nos times negociadores russos acerca da guinada da política americana. A dúvida mais óbvia é qual o preço que Trump cobrará por seu apoio, mas a questão subjacente às conversas é se o americano está querendo atrair o russo para longe da esfera chinesa.

Com o isolamento internacional de Moscou devido à guerra, com sanções econômicas duríssimas, restou a Putin aumentar sua dependência de Pequim —e diversificar seu comércio com outros parceiros, como a Índia.

O resultado foi uma escalda que mais que dobrou o comércio bilateral com os chineses e a inundação do mercado russo por bens de consumo feitos no vizinho. A conversa com Xi visou enfatizar isso e, nas palavras do chinês, reafirmou a “parceria sem limites” com Putin, assinada aliás 20 dias antes do começo da guerra.