Por que crianças pequenas no Japão andam de metrô sozinhas – 17/02/2025 – Mundo

Por que Ohtani Shohei, uma estrela japonesa do beisebol, recolhe lixo após os jogos? Por que os japoneses fazem fila tão educadamente e esperam o sinal verde antes de atravessar a rua? Por que, em suma, o Japão é tão organizado? Alguns dizem que a resposta está nas suas escolas primárias.

Quando o sinal final toca, uma enxurrada de crianças de 6 e 7 anos sai correndo da sala de aula na Escola Primária Minami Ikebukuro, em Tóquio, seus chapéus nas suas cabeças, suas garrafas de água voando. Quatro meninas ficam para trás; é a vez delas de limpar. Elas pegam vassouras do tamanho infantil de um armário e começam a trabalhar. As vassouras se chocam enquanto juntam pedaços de papel e sujeira.

“Sempre fica empoeirado aqui”, diz Mariya, apontando para os sulcos no chão. As outras correm para ajudar. Ao limpar, as crianças aprendem a não fazer bagunça em primeiro lugar, diz a professora Kohashiguchi Megumi. Elas também aprendem igualdade social: nada de “o zelador vai limpar depois”.

No início, as crianças pequenas “agem como monstros”, diz Satou Hiroshi, o simpático diretor da escola. “Nosso trabalho é prepará-las para entrar na sociedade”, prossegue ele, ensinando-as a colaborar, tomar iniciativa e tratar todos de forma igual. Ele chama isso de “hito-zukuri”, a arte de formar pessoas.

Os resultados são impressionantes. As crianças japonesas não só se saem bem academicamente, como mostram uma independência notável desde cedo. Crianças de 6 anos andam ou pegam o metrô sozinhas para ir à escola. Ajuda o fato de o país ser incomumente seguro.

Sugiura Kouma, 7, faz uma rota de dez minutos para ir à escola diariamente. “Fico nervoso porque ele tem que atravessar uma rua principal, mas as pessoas o ajudam”, diz Hiroki, seu pai. Um reality show japonês mostra crianças pequenas indo sozinhas a lojas para comprar bolinhos de peixe. Contraste isso com o histerismo de segurança às vezes visto no Ocidente, onde muitos pais estão convencidos de que algo terrível acontecerá se pararem de vigiar seus filhos por um instante e os governos por vezes agem como se isso fosse verdade. Em outubro, Brittany Patterson, uma mãe no estado americano da Geórgia, foi algemada e presa porque seu filho de 10 anos foi visto caminhando calmamente para a cidade a menos de um 1 km de sua casa.

A abordagem do Japão remonta a séculos. Durante o período feudal Edo (1603-1868), a classe samurai criou escolas para treinar guerreiros letrados e éticos. Escolas em templos treinavam os camponeses; pode ser aí que tenha começado a prática de crianças limparem as salas de aula.

No século 19, após o choque do contato com o Ocidente industrializado, a educação foi centralizada e voltada para a modernização. À medida que o Japão se voltou para o militarismo no século 20, as escolas promoveram o fervor imperial. Após a derrota na Segunda Guerra Mundial e a ocupação americana, o currículo tornou-se mais democrático.

As escolas no Japão hoje ainda se esforçam para construir caráter. Elas enfatizam a disciplina e a responsabilidade para com os outros, diz o cientista político Nakano Koichi. A harmonia do grupo supera o individualismo. A autoridade é importante. As regras são internalizadas, de modo que a repreensão é desnecessária.

Mas a abordagem geral é muito mais humana do que esse resumo seco faz parecer. O slogan do Ministério da Educação é “chi-toku-tai”: chi é habilidade acadêmica, toku, integridade moral, e tai, saúde física. Isso significa muitos esportes e artes. Também significa que os professores elogiam o esforço, em vez da conquista. Estudos sugerem que isso é uma excelente ideia, pois torna as crianças mais resilientes, observa a pesquisadora Jennifer Lansford, da Universidade Duke.

O contexto social em que as escolas japonesas operam é em muitos aspectos semelhante ao do Ocidente. Afinal, o Japão também é uma democracia rica e liberal. Mas, em alguns aspectos, é diferente. Enquanto os americanos querem que seus filhos sejam líderes e ganhem competições, pesquisas revelam que os pais japoneses dão mais valor ao fato de seus filhos se darem bem com os outros.

As relações com as mães são especialmente próximas no Japão. A maioria das crianças compartilha a cama da mãe até os 10 anos. Pesquisas revelam que as mães japonesas geralmente antecipam as necessidades de seus filhos, enquanto as mães americanas esperam por pedidos.

Portanto, as escolas devem ensinar as crianças a lidar com menos mimos. Isso começa na pré-escola, onde se concentram em brincadeiras livres, música, artes e ofícios, exercícios e apreciação da natureza. Elas são ensinadas a se vestir sozinhas e a lavar as mãos. Há verificações regulares de saúde e dentárias nas escolas também, uma bênção para pais ocupados.

Dedica-se muita atenção às atividades mais simples. As crianças aprendem tanto a pular quanto a girar uma corda de pular para seus colegas, misturando exercício, habilidades motoras e coordenação de grupo. O origami envolve um número crescente de dobras a cada idade. Estojos de lápis com um espaço para cada item ensinam as crianças a cuidar de suas coisas. Se uma caneta estiver faltando, elas percebem imediatamente.

Quando chegam à escola primária, as crianças devem estar prontas para administrar um “mini-shakai” ou “mini-sociedade”, diz Yonaha Sanae, vice-diretora da Minami Ikebukuro. Cada dia começa e termina com uma reunião de classe. As crianças podem discutir o dia que está por vir ou qual dança apresentar em um evento escolar.

As tarefas diárias são rotativas. No final de uma aula na turma da professora Kohashiguchi, duas crianças limpam o quadro-negro, enquanto uma terceira anuncia a próxima aula. Depois disso, outro aluno anuncia o fim da aula; todos se curvam. Agora é hora do almoço. Há barulho e clamor enquanto as crianças de plantão para o almoço vestem aventais de chef, montam mesas e colocam a louça. Os outros fazem fila para serem servidos por seus colegas, a partir de panelas de comida entregues a cada classe por cozinheiros internos.

Durante o almoço em suas mesas, algumas crianças leem. Outras ouvem uma transmissão de música clássica e anúncios de um dos comitês escolares especiais. Na semana passada, um desses comitês de crianças de 12 e 13 anos organizou o “undokai”, um festival anual de esportes e dança. Entre bocados de tempura, salada e arroz, as crianças avaliavam como foi o evento. “Não falamos para as pessoas a coreografia da dança até dois ou três dias antes (da apresentação), e isso não foi suficiente”, lamentavam.

Espera-se que todos ajudem uns aos outros: alunos mais velhos ensinam pequenas coisas aos seus colegas mais novos, como onde guardar suas mochilas. As crianças também são instruídas a ajudar mais em casa.

Boas maneiras e regras ajudam a escola a funcionar sem problemas, diz Yonaha. As crianças colocam seus sapatos de rua ordenadamente em um armário quando chegam e trocam por sapatos de uso interno para manter o local limpo. A escola lançou recentemente uma campanha para lembrar as crianças de dizer “olá” umas às outras; elas estavam ficando desleixadas com isso.

Os livros escolares japoneses frequentemente incluem instruções precisas para escrever. Sente-se com as costas retas, coloque um punho atrás de você e um na frente para medir sua distância da mesa e do encosto da cadeira; coloque sua mão não dominante no centro da página oposta para segurar seu livro enquanto escreve. Além disso, faça exercícios de alongamento antes de escrever.

Uma ênfase na harmonia do grupo permeia tudo. Yonaha ficou chocada, durante uma visita aos EUA, ao ver crianças apenas correndo “se divertindo” nas aulas de educação física. “No Japão, o esporte também é sobre aprender a agir em grupo”, diz ela.

As escolas japonesas têm aulas dedicadas ao “dotoku”, educação moral. Em uma delas, as crianças discutem as consequências de não cumprirem adequadamente suas tarefas diárias na sala de aula. “Você causa problemas para outras pessoas”, diz um menino.

Quando os professores repreendem os alunos, é mais comumente por “incomodar os outros”, diz Satou. Esse sentimento é repetido em todos os lugares: cartazes, livros e lições lembram as crianças de não incomodar seus vizinhos.

As lições de moral abordam situações realistas, como o que aconteceria se um livro emprestado se tornasse uma fonte de mal-entendido entre amigos. Hoje, em uma turma de quarta série na Minami Ikebukuro, o tema é tirar conclusões precipitadas. O professor pede às crianças que sugiram exemplos. “Mesmo que ele seja um menino, ele pode não gostar de insetos!”, diz uma criança.

Cada criança tem que refletir sobre se é rápida em julgar os outros e qual pode ser o efeito disso. “Eu não tiro conclusões precipitadas porque a outra pessoa pode se magoar”, escreve uma menina.

Nas décadas de 1970 e 1980, estudiosos olhavam para o Japão em busca de ideias sobre como melhorar as notas das crianças. Agora, visitantes estrangeiros estão mais interessados em como as escolas japonesas promovem o caráter. Países da Mongólia à Malásia conversaram com o governo do Japão sobre isso, diz Sugita Hiroshi, um ex-funcionário da educação agora na Universidade Kokugakuin. Desde 2014, Singapura faz com que os alunos limpem suas salas de aula.

Um fã notável é o líder do Egito, Abdel Fattah al-Sisi. Durante uma viagem ao Japão em 2016, ele descreveu os locais como “Alcorões ambulantes” por incorporarem virtudes islâmicas. O Egito agora construiu 55 escolas que combinam seu próprio currículo nacional com deveres de sala de aula ao estilo japonês para promover disciplina e colaboração.

Cerca de 30 mil professores foram treinados; o objetivo é estender esse híbrido japonês-egípcio a todas as escolas públicas. Sisi acredita que isso pode ajudar o Egito a enriquecer. Ele também pode, possivelmente, ver uma oportunidade de incutir obediência em seus cidadãos —útil em um país onde protestos em massa já derrubaram presidentes.

De volta ao Japão, pais de mentalidade liberal acham alguns aspectos de seu sistema irritantes. Mesmo que gostem do funcionamento das escolas primárias, muitas vezes são menos entusiasmados com o que acontece no ensino médio e no colegial. Há uma ênfase na aprendizagem mecânica —compreensível, de um lado, dada a necessidade de memorizar mais de 2.000 caracteres, mas muitas vezes excessiva, em detrimento da criatividade.

Além disso, algumas escolas impõem uma conformidade desnecessária que incluem de regular o comprimento das meias ou a cor das faixas de cabelo até exigir que todos os alunos usem roupa íntima branca. Em 2017, uma garota em Osaka processou sua escola por obrigá-la a tingir seu cabelo naturalmente castanho de preto.

As crianças aprendem a não se destacar. O Japão tem um ditado: “O prego que se sobressai é martelado”. Embora o “dotoku” encoraje a discussão de diferentes pontos de vista, todos sabem a resposta correta, diz Otani Nanako, uma mãe em Tóquio que tem um filho em uma escola internacional e dois em escolas japonesas. Crianças que são diferentes podem ser intimidadas.

Crianças de raça mista, conhecidas como “hafu” (do inglês “half”, metade), têm uma dificuldade especial. O absenteísmo está crescendo, principalmente porque crianças não conformistas muitas vezes acham a escola opressiva. Segundo o Unicef, fundo da ONU para a infância, as crianças japonesas estão fisicamente em melhor forma do que as de qualquer outro país rico, mas ocupam um desanimador 37º lugar de um total de 38 em termos de bem-estar mental.

Muitas escolas japonesas —e o governo— estão tentando lidar com esses aspectos negativos. Nos anos 1990 e início dos 2000, uma política de “yutori kyoiku”, ou”educação relaxada” permitiu um currículo mais leve e uma semana escolar mais curta, de 5 em vez de 6 dias, para dar aos alunos mais tempo livre.

Mas alguns comentaristas, especialmente os nacionalistas, culpam essa política pelo que veem como padrões em declínio. Muitos pais estão tão desesperados como sempre para que seus filhos entrem na universidade certa, preparando-os para um emprego em uma empresa de prestígio.

Assim, a partir do quinto ano, muitas crianças frequentam “juku”, ou escola de reforço, para se preparar para os exames de admissão à faculdade. Isso está longe de ser relaxante —e viola o espírito do “chi-toku-tai”.

Ohki Souma descreve uma rotina diária de escola regular, depois quatro horas de dever de casa, e então uma longa noite de estudos intensivos. Ohki, que tem 10 anos, diz que desistiu do clube de futebol para encaixar todo o estudo.

Outros pais buscam mais equilíbrio. Sugiura Yumi, mãe de Kouma, 7, considerou matricular seus filhos no “juku”, mas depois decidiu deixá-los ter mais tempo para seus hobbies. Kouma gosta de nadar e ir a exposições de insetos.

A excelência geral das escolas japonesas não deve ser subestimada. Adolescentes japoneses de 15 e 16 anos ficam em terceiro, quinto e segundo lugares, respectivamente, nos testes de leitura, matemática e ciências realizados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Mas, à medida que a sociedade japonesa muda, suas escolas também devem mudar. Nem todos aspiram a ser um assalariado hoje em dia, a individualidade é cada vez mais valorizada e a imigração está gradualmente tornando a cultura menos homogênea. Satou diz que é “muito difícil” encontrar o equilíbrio certo entre fomentar o espírito comunitário e dar aos alunos espaço suficiente para se expressarem livremente.

Enquanto isso, alguns pais estão optando por mostrar sua insatisfação não com palavras, mas com ações. Otani, por exemplo, transferiu seu filho Luka, agora com 13 anos, de uma escola pública japonesa para uma internacional para o ensino secundário. “Funciona maravilhosamente até certa idade”, diz ela. “Depois, torna-se uma questão de moldar as pessoas para se encaixarem no sistema.”

Texto do The Economist, traduzido por Carlos Villela, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado em www.economist.com