Papa Francisco colocou a Igreja acima de sua saúde – 24/02/2025 – Mundo

Nos dias após o Vaticano anunciar em 6 de fevereiro que o papa Francisco estava com bronquite e restringiria suas atividades à sua residência, ele prosseguiu realizando múltiplas audiências privadas por dia com grupos de freiras, peregrinos e líderes de fundações.

Em 9 de fevereiro, ele presidiu uma missa ao ar livre na praça de São Pedro, onde o vento estava tão forte que tirou seu solidéu branco da cabeça. Ele não conseguiu terminar sua homilia, passando-a para um auxiliar e dizendo: “Estou com dificuldade para respirar.”

Três dias depois, em sua audiência semanal de quarta-feira, o papa doente teve um auxiliar para ler seu discurso. Mas então ele apertou as mãos de dezenas de prelados, muitos se inclinando para sussurrar cumprimentos, e tirou fotos com fiéis espanhóis, recrutas militares milaneses e freiras da ordem de Madre Teresa.

Dois dias depois, Francisco foi levado às pressas para o hospital, com o que os médicos disseram ser uma condição médica complexa que evoluiu para pneumonia em seus pulmões.

Em uma atualização no sábado à noite, o Vaticano disse que o papa estava em condição crítica após ter tido uma longa “crise respiratória asmática” mais cedo naquele dia.

Muitos que o conhecem disseram em entrevistas que Francisco, impulsionado por um senso de missão e uma disciplina nascida de seu treinamento inicial, essencialmente trabalhou até ser internado.

Ele agora está acamado após semanas de cerimônias e audiências —tanto privadas quanto públicas— que se intensificaram com o início em dezembro do Jubileu de 2025, um ano de fé, penitência e perdão dos pecados que ocorre apenas a cada 25 anos.

Mas a agenda exaustiva do papa —que esgotaria qualquer um, ainda mais um octogenário com uma série de problemas de saúde— está de acordo com a personalidade de Francisco e com sua visão do papado, dizem médicos, biógrafos e observadores do Vaticano.

“O papa se preocupa muito com a Igreja, então está claro que ele colocou a Igreja em primeiro lugar”, disse Luigi Carbone, médico pessoal do papa no Vaticano, a repórteres em entrevista coletiva no hospital na sexta-feira (21).

Sergio Alfieri, outro dos médicos do papa, acrescentou que Francisco “não se segura porque é enormemente generoso, então se esgotou.”

Francisco se tornou papa tarde na vida —ele tinha 76 anos— e estava determinado a aproveitar ao máximo porque suspeitava que, relativamente falando, não ocuparia o cargo por muito tempo. Um ano após o início de seu papado, ele disse aos repórteres que achava que seria papa por dois ou três anos, depois “rumo à casa do Pai.”

Essa previsão estava claramente errada. Em vez disso, ele estabeleceu uma agenda —acordando antes das 5h e em sua mesa às 6h para enfrentar um dia inteiro de trabalho— que Nelson Castro, autor do livro “A Saúde dos Papas”, chamou de louca. Apenas em setembro passado, Francisco fez a viagem mais longa e complicada de seu mandato: uma turnê de 11 dias em quatro países na região Ásia-Pacífico.

“Para Francisco, é tudo ou nada”, disse Austen Ivereigh, comentarista católico e biógrafo papal. Na visão de Francisco, era “uma dimensão essencial do papado” que as pessoas tivessem acesso constante a ele, e não havia tempo para ficar inacessível por motivos de saúde.

“Sua preocupação primordial não é prolongar sua vida, sua preocupação primordial é exercer o ministério papal da maneira que ele acredita que deve ser exercido, que é tudo, 100%”, disse Ivereigh.

“Ele tem uma agenda louca”, disse outra biógrafa, a jornalista argentina Elisabetta Piqué. Ao lado de sua agenda matinal oficial, ele tem uma agenda paralela, igualmente cheia, para a tarde. “Ele sempre diz: Terei tempo para descansar no próximo mundo”, disse ela.

Francisco tinha um profundo senso de dever que lhe foi incutido pelo internato que frequentou na infância, administrado pela congregação religiosa Salesiana, e mais tarde pela ordem dos Jesuítas, à qual se juntou em 1958, disse Fabio Marchese Ragona, outro biógrafo.

Ele disse que Francisco lhe havia dito que havia se juntado aos Jesuítas “acima de tudo pela disciplina”, e que manter compromissos era algo enraizado nele —assim como chegar cedo para compromissos.

Carlo Musso, que trabalhou com Francisco em “Esperança”, uma autobiografia publicada no mês passado, observou: “A palavra que ele mais usava, a exortação que eu melhor me lembro, é ‘para frente.’ Mesmo quando ele olhava para trás, era para poder avançar.”

Pessoas que conhecem Francisco dizem que ele é resistente a tirar uma pausa, mesmo quando deveria por causa da ciática, um joelho ruim ou problemas bronquiais recorrentes. Quando jovem, ele teve o lobo superior de seu pulmão direito removido, e sofreu crises de gripe e bronquite durante os meses de inverno.

“Ele é tão obstinado; ele é um testardo”, disse Castro, usando a palavra italiana para teimoso. E o papa admitiu ser “um paciente muito difícil”, acrescentou.

O papa certa vez lhe disse que gostava de manter distância dos médicos, disse Castro, “querendo dizer que ele quer tomar as decisões” sobre o que pode ou não fazer.

Ivereigh disse que Francisco admitiu que uma de suas “grandes falhas” era a obstinação. “Ele é muito determinado e não ouve prontamente sugestões para reduzir as coisas.”

Há alguns sinais de que o papa pode estar pronto para desacelerar.

Francisco foi visitado no hospital na quarta-feira pela primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni. Relatando sobre a reunião, o jornal diário de Milão Corriere della Sera escreveu que Francisco reclamou para ela: “Os médicos disseram que tenho que tirar um tempo de folga” e que “tenho que ter cuidado com minha saúde, senão vou direto para o céu”.

Em entrevista coletiva na sexta, os médicos de Francisco deixaram claro que o manteriam no hospital pelo tempo que fosse necessário para o tratamento que só poderia receber lá, em vez de levá-lo para sua residência na Casa Santa Marta.

“Achamos prudente”, disse Alfieri. “Se o trouxéssemos para Santa Marta, ele começaria a trabalhar como antes —sabemos disso.”