Em 1938, Rose Girone estava grávida de oito meses e morava em Breslau, cidade na época pertencente à Alemanha, quando seu marido foi enviado para o campo de concentração de Buchenwald. Ela conseguiu uma passagem para Xangai, apenas para ser forçada a viver em um banheiro em um gueto judeu por sete anos. Depois de se estabelecer nos Estados Unidos, ele passou a sustentar sua filha com trabalhos de tricô.
Apesar das dificuldades vividas por ela, o que inclui ainda duas pandemias, Girone abraçou a vida com positividade e bom senso. “Não somos sortudos?”, ela costumava dizer.
Girone era considerada a sobrevivente mais velha do Holocausto. Ela morreu em uma casa de repouso em Long Island na segunda-feira (24), disse sua filha e também sobrevivente, Reha Bennicasa. Girone tinha 113 anos.
Seu segredo para a longevidade era simples, dizia ela: chocolate amargo e bons filhos.
Atualmente, existem cerca de 245 mil sobreviventes judeus do Holocausto vivos ao redor do mundo, de acordo com a Conferência sobre Reivindicações Materiais Judaicas contra a Alemanha, organização que apoia sobreviventes.
“Essa perda nos lembra da urgência de compartilhar as lições do Holocausto enquanto ainda temos testemunhas vivas conosco”, disse Greg Schneider, vice-presidente executivo da organização. “O Holocausto está passando da memória para a história, e suas lições são importantes demais, especialmente no mundo de hoje, para serem esquecidas. “Rose foi um exemplo de fortaleza, mas agora temos a obrigação de continuar seu legado.”
Rose Raubvogel nasceu em 13 de janeiro de 1912, em Janow, na Polônia, filha de Klara Aschkenase e Jacob Raubvogel. A família mais tarde se estabeleceu em Hamburgo, na Alemanha, onde iniciou um negócio de fantasias.
Ela se casou com Julius Mannheim em 1938, em um casamento arranjado. O casal se mudou para Breslau (atualmente Wroclaw, na Polônia) naquele ano, pouco antes de Mannheim e seu pai serem presos e enviados para Buchenwald.
Um ano depois, agora com um bebê, Girone recebeu um documento escrito em chinês de familiares que haviam escapado para a Inglaterra. Parecia ser um visto para passagem segura para Xangai, mas “poderia ter sido qualquer coisa”, disse sua filha, explicando que a família mais tarde descobriu que o documento poderia ser falso.
O pai de Mannheim concordou em entregar seu negócio de navegação e fazer um pagamento aos nazistas em troca da libertação deles do campo de concentração. Com o visto em mãos, Girone, seu marido e a pequena Reha, de seis meses, embarcaram para Xangai, ocupada pelos japoneses, junto com outros 20 mil refugiados.
Mannheim abriu um pequeno negócio de táxis no início, enquanto Girone ganhava dinheiro tricotando roupas. Mas, quando o Japão declarou guerra em 1941, os judeus foram confinados em um gueto. Girone teve que implorar ao administrador do gueto por um lugar para sua família viver, e a única opção disponível era um banheiro inacabado e infestado de ratos dentro de uma casa. A família de três pessoas viveu ali por sete anos.
Mannheim teve que abandonar o negócio de táxis e passou a caçar e pescar, enquanto Girone continuava vendendo suas peças de tricô. Com o tempo, ela fez amizade com outros refugiados, incluindo um empresário judeu vienense que a ajudou a transformar seu tricô em um negócio. Essa atividade se tornaria um meio de sustento por décadas.
Em 1947, a mãe e a avó de Girone já haviam se mudado para os Estados Unidos e as patrocinaram para que pudessem se juntar a elas. Girone guardou secretamente 80 dólares e a família partiu naquele ano para São Francisco, onde viveram por cerca de um mês antes de pegarem um trem para Nova York.
Poucos anos depois, Girone se divorciou de Mannheim. Ela e Reha passaram anos mudando-se de quarto em quarto por Manhattan, enquanto ela economizava e trabalhava em lojas de tricô, segundo Bennicasa, sua filha.
Finalmente, Girone conseguiu juntar dinheiro suficiente para abrir uma loja de tricô com uma sócia em Rego Park, no bairro de Queens. Mais tarde, abriu uma segunda loja em Forest Hills, também no Queens, onde, finalmente, “tínhamos um apartamento de verdade, e não apenas um quarto mobiliado”, lembrou Bennicasa. Girone continuou trabalhando e ensinando tricô até os 102 anos.
Em 1968, Girone se casou com Jack Girone, que morreu em 1989. Além de Bennicasa, ela deixa a neta, Gina Bennicasa.
Gina Bennicasa lembrou-se das frases frequentes de sua avó, incluindo: “Envelhecer é divertido, mas ser velho não é divertido”. Uma frase, no entanto, destaca-se entre todas: “Você tem que acordar e ter um propósito”.