O presidente Donald Trump viu-se diante de um impasse na segunda semana após a sua posse e recuou no bloqueio do financiamento dos Estados Unidos a programas de assistência, ONGs e outras entidades do terceiro setor, além de empréstimos a pequenas empresas.
Trata-se do primeiro recuo do republicano numa medida considerada agressiva de seu governo. A decisão ocorreu após repercussão negativa e uma ordem da Justiça que havia suspendido o bloqueio.
Em paralelo, o secretário do Departamento de Estado, Marco Rubio, anunciou exceções a uma outra suspensão de verbas, para financiamento a programas estrangeiros, voltando atrás num corte que antes seria quase integral. Ficam isentas do bloqueio os projetos de “assistência humanitária para salvar vidas”, o que inclui serviços médicos, envio de alimentos, entre outras iniciativas.
São recuos em duas medidas distintas. Em uma delas, na segunda (27), a Casa Branca havia determinado o congelamento de recursos nos EUA “até que se saiba se essas transferências estão alinhadas com as prioridades” do republicano, segundo o órgão responsável.
A informação motivou questionamentos em diversos estados sobre se o bloqueio afetaria o repasse de dinheiro para assistência básica e saúde, por exemplo, e para o Medicaid, seguro para pessoas de baixa renda pago pelo governo.
Outras organizações do terceiro setor também manifestaram preocupação. A NCN (Conselho Nacional de Organizações Sem Fins Lucrativos, na sigla em inglês) disse que o congelamento de recursos traria “um impacto devastador para centenas de milhares” de pessoas e recorreu à Justiça.
A juíza Loren AliKhan acatou o pedido e interrompeu parte do bloqueio com o argumento de que era necessário “manter o status quo”. A intenção foi evitar a confusão gerada pela interrupção abrupta de verbas para programas de moradia ou de alimentação a pessoas em situação de rua.
Já nesta quarta (29), a Casa Branca enviou ofício a diversos órgãos informando sobre a rescisão da ordem. “O memorando OMB M-25-13 foi revogado. Se você tiver dúvidas sobre a implementação dos decretos do presidente, por favor, entre em contato com o consultor jurídico geral da sua agência,” diz trecho do memorando obtido pela rede CNN.
Trump e sua equipe tentaram responsabilizar a imprensa pelo recuo, mas, na terça, nem a própria porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, soube dizer se o Medicaid seria impactado pelo bloqueio de verbas ao ser questionada por jornalistas.
Em discurso nesta quarta para sancionar uma lei sobre a política de imigração, Trump afirmou que o programa não era um dos alvos.
“Houve uma pausa de curto prazo ou congelamento de financiamento em certos pagamentos de despesas discricionárias, como subsídios governamentais, apenas para analisarmos rapidamente os golpes, desonestidade, desperdício e abuso que ocorreram em nosso governo por muito tempo”, disse Trump nesta quarta.
“Como foi explicitamente declarado, isso de forma alguma afetou os benefícios dos quais os americanos dependem”, disse.
Trump ainda disse que a medida foi divulgada de forma incorreta. “Estou reafirmando agora para corrigir qualquer confusão que a mídia tenha criado propositalmente e, de alguma forma, por qualquer motivo, a seguridade social, o Medicare [programa de seguro saúde para pessoas com mais de 65 anos] e o Medicaid não foram afetados”, afirmou.
A segunda medida, o bloqueio do financiamento a organizações estrangeiras, anunciado na sexta passada (24), continua em vigor, mas com exceções anunciadas nesta quarta para serviços “humanitários que salvem vidas”.
A ordem assinada pelo secretário ressalta que essas condições só não se aplicam a programas que envolverem “abortos, planejamento familiar, conferências”, além do que chama de “ideologia de gênero” e promoção da diversidade, bem como “cirurgias de mudança de sexo ou outras assistências que não salvem vidas”.
Como mostrou a Folha, o bloqueio atinge um dos maiores programas mundiais voltados à prevenção e tratamento da Aids, o Pepfar (Plano de Emergência do Presidente para o Alívio da Aids), que tem um orçamento anual de US$ 6,5 bilhões. A Organização Internacional para as Migrações (OIM), o braço da ONU para o tema, também foi obrigada a suspender pelos próximos três meses suas atividades no Brasil.
Ainda nesta quarta, o presidente dos EUA citou exemplos de verbas que teriam sido revistas por sua medida de reavaliação dos recursos destinados a entidades estrangeiras.
“Estamos apenas olhando para partes da grande burocracia onde houve um tremendo desperdício, fraude e abuso. Nesse processo, identificamos e interrompemos o envio de US$ 50 milhões a Gaza que seriam usados para comprar preservativos para o Hamas. Você sabe o que aconteceu com eles? Eles os usaram como método para fazer bombas. Que tal isso?”, disse Trump, sem apresentar provas.
Trump também disse ter identificado pagamentos ilícitos para “reassentamento de imigrantes ilegais” e o repasse de verbas para programas de diversidade e para a Organização Mundial de Saúde, da qual os Estados Unidos se retirou.