Enquanto Europa debate, EUA e Rússia abrem negociação – 17/02/2025 – Mundo

Enquanto os Estados Unidos e a Rússia abrem suas negociações sobre um acordo para encerrar a Guerra da Ucrânia, líderes europeus não foram além de platitudes e uma discordância mais séria publicamente ao discutir a pressão colocada pelo presidente Donald Trump sobre o continente.

Convocada para esta segunda (17) pelo anfitrião, o presidente Emmanuel Macron, o encontro visava dar uma resposta unificada do continente à disposição de Trump de impor termos em uma negociação direta entre Washington e Vladimir Putin sobre a guerra que fará três anos em uma semana.

Houve falas semelhantes entre as 11 lideranças presentes, mas nada prático além de exortações para que os EUA compartilhem suas decisões com os europeus e não tentem forçar um acordo a Kiev.

Coube ao premiê britânico, Keir Starmer, colocar uma proposta polêmica à mesa ao escrever um artigo para o jornal Daily Telegraph: disse que Londres está disposta a arriscar seus soldados em uma força de paz assim que um cessar-fogo for decretado.

Ele foi seguido, com entusiasmo decrescente, pela Suécia e pela Holanda. Mas foi o alemão Olaf Scholz que apresentou a realidade, em uma entrevista após a reunião parisiense. “Altamente inapropriado” discutir o tema, disse o premiê, que rejeitou a ideia como “só especulação” que o “irrita”.

Antes, o chanceler espanhol, Juan Manoel Albares, havia dito que era “muito cedo” para pensar no assunto, dado que nem há uma negociação de paz formatada —e a que irá começar na terça (18) na Arábia Saudita deixou de fora Kiev e os europeus.

O premiê polonês, Donald Tusk, por sua vez disse que o encontro não teve “soluções vinculantes”, mas serviu para mostrar afinidade de discursos. Ele também disse que não enviará tropas ao vizinho. Seu país é o que mais gasta com defesa na Europa, 4,1% do PIB em 2024, e ele sugeriu que os colegas da Otan façam o mesmo —uma demanda de Trump, aliás.

Scholz, após se queixar no fim de semana dos americanos, tentou contemporizar. “Não pode haver uma imposição” sobre a Ucrânia, afirmou, ressaltando que “não deve haver divisão na segurança e na responsabilidade entre Europa e EUA. Nós compartilhamos riscos”, diz.

Voltando a falar, Starmer não comentou a questão da força de paz. “Apenas uma paz duradoura na Ucrânia, que salvaguarde sua soberania, vai impedir Putin de agredir mais. Os EUA têm de dar garantias de segurança”, disse. Tanto ele como Tusk falaram em “uma nova era” nas relações EUA-Europa.

CRISE COMEÇOU NA SEMANA PASSADA

A crise é um resultado do terremoto político da semana passada, quando, após quase um mês de contatos que não chegaram a lugar algum e irritaram o Kremlin, Trump ligou para Putin para iniciar negociações.

De cara, sugeriu cessões territoriais de Kiev e descartou a entrada dos ucranianos na Otan, a aliança militar liderada pelos EUA, como forma de garantir a segurança futura do país europeu. Volodimir Zelenski e líderes europeus reagiram mal, sugerindo uma paz imposta nos termos de Moscou.

Mas o pior, para a Ucrânia, ainda estava por vir. Trump enviou seu vice, J.D. Vance, para falar em seu nome na sexta (14) à tradicional Conferência de Segurança de Munique. O americano fez um discurso agressivo e devastador para as relações com a Europa, dizendo que real ameaça ao continente está dentro dele e que seus líderes coíbem a liberdade de expressão e a democracia.

Vance jogou iscas para os partidos de extrema direita populista que têm avançado em eleições europeias. O vice encontrou-se ainda com Zelenski, que rejeitou um plano para ceder aos EUA metade das reservas de minerais estratégicos do país em troca da ajuda militar recebida até aqui e futura.

Com tudo isso, Macron convocou para discutir a crise os líderes do Reino Unido, Alemanha, Itália, Polônia, Espanha, Holanda e da Dinamarca, representando também os países escandinavos e bálticos, além da chefia da União Europeia e da Otan.

Até aqui, a sugestão da força de paz esbarra num óbice simples: caso as hostilidades sejam retomadas, haveria o risco de um conflito direto entre forças russas e da Otan, potencialmente escalando para uma guerra nuclear.

Comentando a ideia, o Kremlin disse que ela “é uma questão complexa que ainda não foi discutida”, não fechando completamente a porta. Quando Macron havia levantado a possibilidade de enviar soldados franceses para a Ucrânia, no ano passado, Putin ameaçou uma guerra nuclear com a Europa.

No sábado, o enviado de Trump para Rússia e Ucrânia, Keith Kellogg, havia dito que os europeus não participariam das negociações.

Em troca, Washington enviou um questionário para os governos aliados no continente dizerem quais são as suas propostas para contribuir com a segurança futura dos ucranianos. Scholz e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disseram nesta segunda que é vital que a Europa gaste mais em defesa, e rapidamente.

Nesta segunda, em Bruxelas, Kellogg repetiu que “não faz sentido” ter todos à mesa, mas afirmou que a paz na Ucrânia “não será imposta”. Zelenski não comprou a ideia, protestando contra o início das negociações russo-americanas na Arábia Saudita sem ele.

Falando a repórteres nos Emirados Árabes Unidos, onde negocia uma troca de prisioneiros com os russos, ele disse: “A Ucrânia considera qualquer negociação sobre a Ucrânia sem a Ucrânia como algo que não terá resultado. Nós não podemos reconhecer nenhum acordo sobre nós sem nós”.

EUA E RÚSSIA SE REÚNEM EM RIAD

Enquanto os europeus discutem a relação, americanos e russos colocam em marcha suas conversas. O secretário de Estado de Trump, Marco Rubio, chegou nesta segunda a Riad acompanhado pelo assessor de Segurança Nacional, Michael Waltz, e pelo enviado americano ao Oriente Médio, Steve Witkoff.

Eles se encontrarão na terça (18) com o chanceler russo, Serguei Lavrov, e o assessor presidencial Iuri Uchakov. Zelenski informou que estará neste dia na Turquia e que deverá ir na quarta (19) a Riad, mas disse não ter planos de se encontrar com nenhum dos lados, o que não parece fazer muito sentido.

Comentando sua viagem, Lavrov disse que a ausência dos europeus à mesa faz sentido, já que ele “querem continuar a guerra”. Segundo ele, as conversas são o início da normalização das relações com os EUA, com quem a Rússia divide o posto de maior potência nuclear do planeta. Trump e Putin querem fazer uma cúpula, provavelmente em Riad.

Ele também afirmou, durante uma entrevista em Moscou, que “não há nenhuma ideia de concessão territorial” por parte dos russos a ser discutida.

Kiev ocupa uma área estimada em cerca de 450 km2 da região meridional russa de Kursk, invadida no ano passado. Isso dá cerca de 0,002% do território russo. Putin controla aproximadamente 20% da Ucrânia, contando aí a península da Crimeia, anexada há quase 11 anos.

Em Kursk, Zelenski já ocupou três vezes mais área. Nesta segunda, perdeu o controle de uma cidade para os russos. Por outro lado, retomou uma vila perto da ameaçada Pokrovsk, centro logístico importante na região de Donetsk (leste).