As temperaturas estavam subindo dentro do avião. Oitenta e oito deportados brasileiros, a maioria deles algemados e acorrentados, estavam ficando inquietos na sexta-feira (24) sob a vigilância de agentes de imigração dos Estados Unidos. O jato de passageiros, que enfrentava repetidos problemas técnicos, estava preso na pista em uma cidade sufocante na floresta amazônica.
Em seguida, o ar condicionado quebrou —novamente.
Houve pedidos para que ficassem sentados, empurrões, gritos, crianças chorando, passageiros desmaiando e agentes bloqueando as saídas, de acordo com entrevistas com seis dos deportados a bordo do voo. Finalmente, os passageiros puxaram as alavancas para liberar duas saídas de emergência e os homens algemados saíram pela asa do avião, gritando por socorro.
A Polícia Federal do Brasil chegou rapidamente e, após um breve impasse, disse aos agentes do Departamento de Imigração e Alfândega dos EUA que liberassem os deportados, embora eles ainda não tivessem chegado ao destino programado.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ordenou que um avião da Força Aérea Brasileira pegasse os deportados e os levasse pelo resto do caminho. Em seguida, os ministros brasileiros criticaram publicamente a forma como o governo Trump lidou com os deportados, chamando o caso de inaceitável e degradante.
Foi após as reclamações relacionadas ao voo com brasileiro que o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, anunciou no domingo (26) que seu governo havia recusado dois voos de deportação dos EUA. Isso deu início a ameaças de tarifas entre os americanos e a Colômbia —Petro, depois, acabou recuando.
A polêmica diplomática sobre os voos de deportação para o Brasil e a Colômbia marcou um primeiro fim de semana turbulento para a política de linha-dura do presidente Donald Trump de deportar milhões de imigrantes que vivem nos EUA sem permissão legal.
Na segunda-feira (27), Trump disse que “cada um dos deportados é um assassino, um chefão das drogas, um chefão de algum tipo, um chefe da máfia ou um membro de gangue”. O chefe da autoridade migratória da Colômbia disse que, na realidade, nenhum dos deportados que chegaram em dois voos a Bogotá na terça-feira (28) tinha antecedentes criminais.
Tanto o governo colombiano quanto o brasileiro publicaram mensagens online veladas a Trump, mostrando seus cidadãos voltando para casa e dizendo que eles merecem respeito. “Eles são livres e dignos, e estão em sua terra natal, onde são amados”, escreveu Petro na terça.
O Pew Research Center estimou que havia 11 milhões de imigrantes vivendo nos EUA sem permissão legal em 2022, mas estimativas mais recentes colocam a população em quase 14 milhões. Isso inclui cerca de 4 milhões de mexicanos, 2,1 milhões de centro-americanos, 230 mil brasileiros e 190 mil colombianos.
Inicialmente, Petro havia recusado os voos de deportação porque eram operados pelos militares dos EUA, uma mudança recente sob o governo Trump. Foram aeronaves militares colombianas que levaram os deportados colombianos de volta para casa nesta semana. Ainda não se sabe se o México recebeu algum voo de deportação em aviões militares.
Os brasileiros foram levados em um avião comercial fretado. O governo brasileiro convocou o principal diplomata americano na segunda-feira para discutir as condições desse voo. O Brasil pediu repetidamente aos EUA que prendesse os deportados apenas se eles representassem uma ameaça, inclusive em uma ligação em 2022 entre o ministro das Relações Exteriores do Brasil e o então secretário de Estado Antony Blinken, de acordo com um documento do governo de 2022.
As autoridades dos EUA ignoraram amplamente essas solicitações, de acordo com autoridades brasileiras e acadêmicos que acompanham a questão. O governo dos EUA deportou cerca de 7.700 brasileiros em aproximadamente 95 voos desde 2020, de acordo com autoridades brasileiras. Em muitos desses voos, os agentes do Serviço de Imigração e Controle de Alfândega dos EUA (ICE, na sigla em inglês) acorrentaram os deportados brasileiros nas mãos e nos pés, disseram as autoridades.
No entanto, o voo de deportação de sexta-feira para o Brasil —o primeiro sob novo mandato de Trump— também foi o primeiro a atrair essa reação pública do governo brasileiro. A diferença na sexta-feira, segundo as autoridades e os passageiros, foi a condição do avião e o manuseio rude dos deportados pelos agentes do ICE.
O ICE não respondeu a um pedido de comentário.
Para muitos dos deportados brasileiros, a jornada começou semanas atrás, com longas viagens de ônibus pelos Estados Unidos —da Califórnia, Geórgia, Arizona e Texas— até um centro federal de imigração em Alexandria, Louisiana. Os homens passaram essas viagens algemados, às vezes por dias.
Nas primeiras horas da manhã de sexta-feira, os agentes do ICE encheram o jato com os deportados, colocando dezenas de homens algemados na parte traseira e mulheres e crianças, que não estavam algemadas, na parte dianteira, disseram os deportados.
O voo, operado por uma companhia aérea fretada, a GlobalX Air, teve problemas desde o início. Os passageiros disseram que, na primeira tentativa, o avião teve dificuldades para decolar. Depois que um mecânico consertou uma turbina, o avião decolou, mas os passageiros estavam inquietos.
“Eles começaram a se perguntar: Se algo acontecer, como vocês vão tirar as algemas de 80 pessoas?”, disse Luiz Campos, 35, um dos brasileiros deportados, que estava no voo depois de passar seis semanas em centros de detenção no Texas. “‘Por favor, tirem essas correntes'”, ele se lembra das pessoas pedindo. “Eles disseram: ‘Não. É o protocolo. É sempre assim'”.
As tensões aumentaram horas depois, durante uma parada para reabastecimento no Panamá. Novamente, o avião teve dificuldades para decolar e, dessa vez, três passageiros descreveram ter visto fumaça saindo de um motor na asa. O incidente também fez com que o ar condicionado parasse de funcionar, disseram eles, e o avião rapidamente se transformou em uma sauna no calor tropical da região.
Por fim, o ar condicionado foi restaurado e o avião decolou novamente. Horas depois, aterrissou em Manaus, a maior cidade da Amazônia brasileira. O voo estava programado para terminar em Belo Horizonte, Brasil, uma cidade a mais de 4 mil km ao sul. A PF do Brasil disse que o avião aterrissou devido a um problema técnico.
A GlobalX Air e a ICE não responderam aos pedidos de comentários.
Em Manaus, o avião teve dificuldades para decolar pela terceira vez, mais uma vez com aparentes problemas no motor, disseram os passageiros. E, mais uma vez, o ar parou de fluir dentro da cabine.
Alguns deportados disseram que, com a cabine úmida, os homens algemados começaram a se empurrar pelos corredores, pressionando fisicamente os agentes do ICE que estavam no caminho. Agentes e brasileiros gritaram e empurraram uns aos outros, e vários deportados disseram que foram atingidos. Em seguida, alguns passageiros abriram as saídas de emergência.
Em poucos minutos, pelo menos sete homens algemados saíram próximos de uma das asas. “Chamem a polícia!”, gritou um deles, de acordo com um vídeo do momento.
A PF brasileira acabou entrando na cabine e ordenou que os agentes do ICE deixassem os brasileiros irem embora. Com as pessoas no aeroporto observando e gravando vídeos, disseram os deportados, os agentes do ICE tentaram remover as algemas antes de deixá-los sair do avião.
“Mas ninguém permitiu isso. Os próprios passageiros disseram: ‘Não, agora vocês não vão tirar as algemas'”, disse Campos. “Porque se eles tirassem as algemas, acho que a história seria diferente.”
As transmissões de notícias mostraram os homens algemados se arrastando pela pista. As autoridades brasileiras então removeram as correntes e os passageiros passaram a noite no aeroporto de Manaus. No sábado, um avião militar brasileiro os levou para Belo Horizonte.
Lá eles foram recebidos pela ministra dos Direitos Humanos do Brasil, Macaé Evaristo. “Estou aqui a pedido do presidente Lula”, disse ela aos passageiros do avião, de acordo com um vídeo publicado pelo governo brasileiro. “Nossa posição é que os países podem ter suas políticas de imigração, mas nunca podem violar os direitos de ninguém.”