É uma vergonha que o primeiro presidente de esquerda da história da Colômbia, dono de uma capacidade retórica única, por meio da qual expõe com lucidez os diversos problemas do país (o narcotráfico, a crise ambiental, a pobreza, a imigração, a saúde, as aposentadorias de má qualidade e até mesmo o patriarcalismo, dentro do qual ele se originou na época em que participava da guerrilha M-19 e com relação ao qual diz estar fazendo um enorme esforço de desconstrução), não demonstre ter habilidade política para conduzir sua gestão propriamente dita.
Desde 2022, ele não conseguiu que seus representantes no Parlamento realizassem as articulações necessárias para implementar o seu projeto de mudanças na saúde e na distribuição da renda, assim como a reforma agrária —um dos pontos exigidos pelo acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
Das mudanças que dariam a seu governo um novo estilo, só a tributária e a da saúde passaram, mas esvaziadas de suas ideias originais. A pressão, forte, veio do mercado e das grandes empresas fornecedoras desses serviços, que conseguiram retirar do texto final elementos que os desfavoreciam. Em ambos casos, depois da passagem pelo Legislativo, foram aprovadas em “versões light” se comparadas ao que fora sonhado durante a campanha presidencial.
Nesse desgaste, que durou praticamente dois anos e meio, Gustavo Petro perdeu importantes apoios à sua base no Congresso. O Pacto Histórico, aliança na qual se sustenta, vem perdendo espaço para os centristas, que buscam apresentar, no ano que vem, uma candidata menos polarizadora (a ex-prefeita de Bogotá, Claudia Lopez).
Sem maioria no Parlamento, Petro vê o conjunto de reformas que tinha prometido empreender encrencado. Entre elas estão a busca por energias renováveis, o enfrentamento à mineração a céu aberto, a tentativa de apaziguar o desmatamento —projetos que hoje são pura quimera.
Analistas concordam que a razão por trás disso é a existência de uma “deficiência na gestão”. De fato, há vários ministros que jamais puderam fazer uma reunião de acompanhamento sobre o projeto que tocam desde que assumiram.
Além de já não contar mais com a ajuda necessária para governar no Congresso, o presidente recentemente decidiu expor seus próprios ministros.
Há pouco mais de uma semana, ele convocou uma reunião de gabinete. Isso por si só seria uma novidade, já que ele praticamente não as realiza semanalmente, como manda o protocolo. Então, diante de ministros boquiabertos, anunciou que ela seria “transmitida ao vivo em cadeia nacional”.
O que se seguiu foram admoestações a várias pastas diante dos olhos arregalados de colegas. As respostas dos ministros variaram desde contestações específicas ao que se trazia à tona ao simples fato de terem sido envolvidos, sem prévio aviso, nessa verdadeira sessão de psicodrama.
Isso sem contar a cereja do bolo. Petro trouxe ao seio da gestão de gabinete um funcionário altamente questionável. Trata-se de Armando Benedetti, investigado por violência doméstica, acusado de encher a casa de Petro de escutas irregulares e de ter irrigado os cofres de sua campanha à Presidência com dinheiro vindo do narcotráfico.
Agora, sem o Congresso e com a saída de todos os seus ministros, a única conclusão clara é que Petro passará o que lhe resta na função, um período de pouco mais de um ano, defendendo-se para completar seu mandato em vez de ir atrás de seus ideais —ideais estes que estavam sufocados num grito histórico quando ele foi eleito.
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