China vê oportunidades em medidas anunciadas por Trump – 03/02/2025 – Mundo

Enquanto o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, batia boca com o líder da Colômbia, Gustavo Petro, sobre a deportação militar de migrantes, o embaixador da China no país latino-americano, Zhu Jingyang, declarava que as relações entre Pequim e Bogotá estavam em seu “melhor momento” em décadas.

Posteriormente, Zhu disse que seu comentário nas redes sociais na semana passada, um dia depois de Trump dizer que imporia tarifas à Colômbia, foi uma coincidência. Mas o alcance da publicação sugere que Pequim viu uma oportunidade de fortalecer sua posição na rivalidade entre China e EUA.

Duas semanas após a cerimônia de posse de Trump, a política externa da “América Primeiro” do republicano representa tanto uma promessa quanto um perigo para Pequim.

Os perigos sempre foram claros: mais tarifas e o risco de uma guerra comercial mais ampla. No fim de semana, Trump impôs uma taxa adicional de 10% sobre bens importados da China, dizendo que a medida era uma resposta ao fracasso de Pequim em conter as exportações de fentanil.

Ainda que o país asiático esteja calculando o impacto das tarifas em sua frágil economia, também está avaliando as oportunidades que outros movimentos de Trump estão dando a Pequim.

Trump, por exemplo, afastou aliados e parceiros dos EUA, como Canadá e México, ao impor tarifas elevadas sobre suas exportações e enfraqueceu a autoridade global de Washington cortando a ajuda externa e se retirando da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do Acordo de Paris, um pacto climático da ONU.

Se o segundo mandato de Trump marcar o ocaso da Pax Americana, analistas dizem que a China quase certamente aproveitará a oportunidade para tentar remodelar o mundo a seu favor. Pequim, que há muito acusa Washington de usar sua dominação para conter o crescimento chinês, tem tentado criar uma divisão entre EUA e seus aliados, incluindo União Europeia, Japão e Austrália.

“Os chineses estão bem cientes do dano que Trump causou e está causando à credibilidade e influência dos EUA globalmente. Na verdade, está se desenrolando mais rápido do que até mesmo Pequim esperava”, diz Evan S. Medeiros, professor de estudos asiáticos na Universidade de Georgetown, que atuou como conselheiro de assuntos relacionados à Ásia do presidente Barack Obama.

As ameaças de Trump de tomar o Canal do Panamá e a Groenlândia, bem como de anexar o Canadá como o 51º estado dos EUA, poderiam normalizar uma ordem mundial em que a força prevalece. Essa é uma abordagem familiar para Pequim, mesmo que as autoridades chinesas sustentem a retórica de que nunca buscaram hegemonia ou expansão.

Se os EUA pressionarem o Panamá sobre sua via navegável ou forçarem a Dinamarca a desistir do território rico em recursos da Groenlândia, isso enviará um sinal à China de que, quando se trata de suas próprias reivindicações sobre a ilha autônoma de Taiwan e grande parte do mar do Sul da China, por exemplo, a coerção supera a cooperação.

“A China certamente nunca desistiria de Taiwan ou do mar do Sul da China, mas com Trump fazendo o que está fazendo, está ainda mais determinada a proteger seus interesses lá, com certeza”, diz Henry Huiyao Wang, presidente do Centro de China e Globalização em Pequim.

Wang afirma que Pequim foi encorajado pelas primeiras duas semanas do novo governo, apesar das tarifas e da nomeação de conselheiros belicosos como o Secretário de Estado, Marco Rubio, e o conselheiro de segurança nacional, Michael Waltz.

Em vez de sair agressivamente para confrontar a China, Trump se apresentou como alguém disposto a negociar e potencialmente fechar um acordo com o líder do país, Xi Jinping. O republicano sugeriu vincular as tarifas ao destino do TikTok, que, segundo ele, deveria ser parcialmente propriedade de uma empresa americana.

Outra área com potencial para negociações é a Ucrânia, invadida pela Rússia há quase três anos. Trump disse que a China deveria ajudar a encerrar a guerra no país do Leste Europeu —a China, como maior fornecedora econômica de Moscou, poderia pressionar o presidente Vladimir Putin a sentar-se à mesa de negociações.

“Trump quer a ajuda da China para encerrar a Guerra da Ucrânia”, disse Wang. “Ela é um dos melhores parceiros para ele fazer isso.”

Mas, com tantos interesses concorrentes, a cooperação fica difícil.

Pequim evita criticar a invasão da Ucrânia, por exemplo, adotando a posição de que a Rússia tem o direito de proteger sua segurança nacional. Kiev, por sua vez, não aceitaria a China como mediadora por causa de sua posição pró-Rússia, diz Shi Yinhong, professor de relações internacionais na Universidade Renmin, em Pequim. Putin, por outro lado, não vai querer parecer subordinado à China, diz ele, enquanto Trump não tem estômago para ver Pequim sendo elogiada por desempenhar um papel significativo.

Sobre a questão das tarifas, Pequim tem que decidir se pode se dar ao luxo de escalar uma guerra comercial com os EUA. No domingo, o país prometeu responder às tarifas de Trump entrando com um caso na OMC (Organização Mundial do Comércio) e com outras medidas ainda não especificadas.

Pequim poderia, por exemplo, retaliar com novas tarifas. Uma abordagem mais drástica, no entanto, seria se envolver em uma “guerra de cadeias de suprimentos”: interromper o envio de materiais e equipamentos críticos para a indústria dos EUA. No início de dezembro, a China parou a exportação para os EUA de minerais como antimônio e gálio, necessários para fabricar alguns semicondutores.

O risco para a China é que uma guerra comercial seja mais prejudicial para si mesma do que para Washington. As exportações e a construção de fábricas para produzi-las estão entre as poucas forças na economia da China atualmente. Como resultado, o superávit comercial do país —a quantidade pela qual suas exportações excederam as importações— atingiu quase US$ 1 trilhão (quase R$ 5,9 trilhões) no ano passado.

Na corrida pela influência global, alguns argumentam que a decisão da gestão Trump de congelar grande parte da ajuda externa, o que perturbou programas de ajuda em todo o mundo, já beneficiou a China.

Em regiões como o Sudeste Asiático, onde a postura em relação aos EUA se endureceu por causa do apoio de Washington a Israel na guerra na Faixa de Gaza, a interrupção do financiamento levantou questões sobre a confiabilidade do país norte-americano.

“A China não precisa fazer nada no momento e, no entanto, de alguma forma, parece o bom moço”, diz Jeremy Chan, analista sênior sobre a China no Eurasia Group.