Pouco depois das 3h, um aríete arrombou a porta de um apartamento no 14º andar e três homens vestidos com um equipamento tático preto da polícia chilena invadiram. Brandindo armas, eles agarraram Ronald Ojeda, na frente de sua esposa e de seu filho de 6 anos, e o arrastaram em suas roupas íntimas.
Ojeda, um ex-militar do Exército venezuelano de 32 anos, era um dissidente político vivendo sob asilo em um bairro de classe média da capital do Chile, Santiago. Ele havia tentado organizar conspirações para derrubar Nicolás Maduro, o ditador da Venezuela, o que fez o regime o rotular publicamente de traidor semanas antes.
Quando sua esposa ligou para as autoridades chilenas após a captura, ela disse que pelo menos um dos policiais de seu marido tinha sotaque venezuelano.
Nove dias depois, as autoridades descobriram, com base em uma denúncia, uma mala de mão enterrada do outro lado da cidade sob quase 1,5 metro de concreto. Dentro dela, embalado em cal virgem para acelerar a decomposição, estava o corpo de Ojeda.
Agora, após um ano de investigação, as autoridades chilenas estão confirmando o que dissidentes venezuelanos escondidos ao redor do mundo temiam —as evidências indicam que o regime de Maduro ordenou o assassinato de Ojeda, segundo Santiago, algo que Caracas nega veementemente.
Se for verdade, o caso representa uma escalada sombria nos esforços de Maduro para esmagar quaisquer ameaças à sua ditadura, acusações que chegam justamente quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, abre um novo diálogo com o autocrata na esperança de deportar venezuelanos vivendo ilegalmente no país norte-americano.
Por anos, o ditador manteve seu controle sobre a Venezuela prendendo opositores políticos internamente. O assassinato no Chile, porém, sugere que o líder também adotou as táticas de seu aliado e presidente da Rússia, Vladimir Putin, para alcançar nações estrangeiras e assassinar rivais políticos.
“Todos estão aterrorizados. Ninguém diz onde está, como se refugiaram, em que país chegaram”, diz Zair Mundaray, um ex-procurador venezuelano de alto escalão que recentemente fugiu do exílio na Colômbia para um país que não vai identificar após enfrentar ameaças de pessoas que, acredita ele, são agentes venezuelanos. “Ojeda foi um ponto de virada para todos.”
O Chile tem realizado audiências para acusar 19 pessoas que, segundo as autoridades, participaram de algum aspecto da morte de Ojeda, incluindo o planejamento do assassinato, a execução e a ocultação do corpo, de acordo com documentos judiciais vistos pelo jornal americano The New York Times. Promotores chilenos dizem que a maioria é membro da filial chilena do Tren de Aragua, um grupo criminoso venezuelano que Trump quer designar como organização terrorista.
Carolina Tohá, ministra do Interior e Segurança Pública do Chile, diz que, segundo três testemunhas, o regime venezuelano contratou o Tren de Aragua para assassinar Ojeda. Uma delas teria dito que o principal deputado da Assembleia e ministro do Interior de Maduro, Diosdado Cabello, ordenou pessoalmente o assassinato.
Tohá afirma ainda que os investigadores eliminaram duas outras hipóteses: extorsão e briga de gangues. Quanto à terceira hipótese —um assassinato político—, ela diz ainda não estar provado. “Mas podemos dizer que as probabilidades são muito preocupantes”, afirma.
A ditadura de Maduro, incluindo Cabello, negou repetidamente envolvimento no assassinato. O deputado brincou que o regime não seria capaz de realizar tal crime. Já o procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, disse que o assassinato foi, na verdade, “uma operação de bandeira falsa que o próprio Estado chileno encobriu”.
O porta-voz de Maduro se recusou a comentar para esta reportagem, assim como o porta-voz de Cabello.
Investigadores chilenos acreditam que agentes de contrainteligência venezuelanos têm trabalhado na Embaixada da Venezuela em Santiago, de acordo com um funcionário de alto escalão próximo à investigação, que falou sob condição de anonimato para discutir descobertas que ainda não haviam sido tornadas públicas.
As acusações do Chile surgem no momento em que Trump faz acenos a Maduro. O republicano enviou Richard Grenell para se encontrar com o ditador em Caracas, e o enviado especial retornou com seis americanos que haviam sido detidos na Venezuela.
A secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse que o encontro não significava que os EUA reconheciam Maduro como o presidente legítimo da Venezuela. Em vez disso, Grenell quer que o ditador concorde em receber de volta várias centenas de membros do Tren de Aragua detidos nos EUA e liberar cidadãos americanos detidos na Venezuela.
Washington retirou diplomatas da Venezuela em 2019. O regime chamou o encontro de “um novo começo nas relações bilaterais.” Na semana passada, o novo czar da fronteira dos EUA, Tom Holman, disse ao The New York Times que os voos de deportação para a Venezuela começariam dentro de um mês.
Muitos observadores internacionais —incluindo o secretário de Estado Marco Rubio, quando era senador— disseram que enviar venezuelanos de volta a seu país natal sob Maduro seria uma sentença de morte.
Caracas tem um longo histórico de abusos dos direitos humanos dentro da Venezuela, mas nos últimos anos, tem rastreado dissidentes no exterior, de acordo com ex-funcionários do regime, especialistas em segurança e os próprios opositores.
Para isso, Maduro tem contado com uma rede de agentes venezuelanos, gangues criminosas e grupos rebeldes aliados para vigiar, intimidar e, em alguns casos, sequestrar dissidentes fora da Venezuela, de acordo com ex-funcionários e especialistas.
Em 2021, membros de um grupo guerrilheiro colombiano, o ELN (Exército de Libertação Nacional), sequestraram um ex-tenente do Exército venezuelano, Franklin Caldera, que estava escondido na Colômbia após ajudar a atacar uma base militar de seu país, de acordo com seu pai e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
O ELN levou Caldera para a Venezuela, onde ele foi preso e torturado. Em novembro, a comissão se mexeu para proteger mais membros de sua família fora da Venezuela devido a ameaças crescentes.
Em dezembro de 2023, Ojeda viajou para a fronteira colombiana para planejar, junto com outros dissidentes, uma possível revolta contra Maduro, de acordo com um advogado da família do ex-militar do Exército venezuelano. Lá, o ELN capturou o líder dos dissidentes —outro ex-militar chamado Anyelo Heredia— e o trouxe de volta para a Venezuela, de acordo com Mundaray e Pablo Parada, um dissidente próximo a Heredia. Ojeda escapou.
Um mês depois, o regime venezuelano publicou uma lista de 33 membros militares que teriam se voltado contra a nação, de acordo com a ditadura. “Tolerância zero para traidores!” dizia o documento. Os nomes foram retirados do telefone de Heredia, disse Mundaray, e muitos daqueles na Venezuela foram presos.
Ojeda também estava na lista. Menos de um mês depois, ele foi morto.
Documentos judiciais mostram o planejamento do assassinato entre membros do Tren de Aragua, uma das organizações criminosas mais violentas e notórias da América Latina. Mensagens de telefones confiscados mostraram que um chefe do Tren de Aragua disse ao líder da gangue no Chile que eles receberiam uma grande soma de dinheiro para sequestrar e matar Ojeda.
Isso desencadeou uma série de atividades —todas descritas em um grupo de WhatsApp— nas quais membros da gangue obtiveram uniformes, armas e veículos da polícia chilena, de acordo com os documentos.
Às 3:05 de 21 de fevereiro de 2024, cinco homens disfarçados de policiais chegaram ao prédio de Ojeda em um Nissan Versa com luzes de polícia no topo. Um ficou no carro, um deu ao porteiro um mandado falso e os outros três sequestraram Ojeda.
Dias depois, em um bairro pobre controlado pela gangue, a polícia foi alertada quando vizinhos relataram atividade suspeita em uma cabana onde homens foram vistos transportando cimento para dentro e terra para fora. Uma autópsia concluiu que Ojeda foi morto por asfixia, de acordo com os documentos.
À medida que as evidências começaram a apontar para o regime de Maduro, o promotor chileno que liderava o caso disse isso na televisão. A Venezuela respondeu com raiva, negando envolvimento. No mês passado, a Venezuela ordenou que o Chile fechasse seus consulados na Venezuela e disse que os laços diplomáticos haviam sido suspensos.
O presidente do Chile, Gabriel Boric, disse que, se for comprovado que a Venezuela ordenou o assassinato de Ojeda, isso não seria apenas uma violação de soberania, mas “uma violação dos direitos humanos” com “os piores precedentes que conhecemos em nossa história”, referindo-se à própria ditadura chilena.
Imagens das câmeras de vigilância do prédio mostrando o sequestro se espalharam pelo Chile. Tohá diz que os criminosos poderiam ter destruído as câmeras, mas escolheram não fazê-lo. “Ojeda poderia ter sido morto de uma maneira muito mais simples, muito menos conspícua”, afirma. “Há uma razão pela qual eles escolheram essa estratégia de tornar a ação visível.”
Parada, o dissidente venezuelano na Colômbia, disse que, dias após as autoridades encontrarem o corpo de Ojeda, homens misteriosos apareceram em uma reunião de dissidentes no país e o perseguiram pelas ruas. Ele passou uma noite em um cano de esgoto para escapar deles. Agora, está escondido novamente.
“Não é fácil saber que estão te procurando para te matar. Não é fácil saber que você não pode nem mesmo voltar para o seu país”, diz Parada. “Não é fácil saber que, a qualquer momento, eu poderia sofrer o destino que Ronald sofreu.”