Artigo EUA: Trump é identitarismo esculpido e encarnado – 07/02/2025 – Mundo

Donald Trump está entregando exatamente o que prometeu e, assim, se consolidando como agente de políticas identitárias.

Embora o termo seja frequentemente associado às pautas relacionadas à esquerda —no contexto americano, aos democratas, com ode especial aos negros, mulheres, LGBTQIA+ e indígenas—, o identitarismo vai além do guarda-chuva pejorativo usado para falar das lutas desse grupos, como bem definiu o filósofo Rodrigo Nunes no posfácio de “Doppelgänger”, da escritora canadense Naomi Klein.

Deve ser entendido, diz ele, como “o apego excessivo a uma identidade e ao conjunto de marcadores que lhe são próprios”. Trata-se também da marginalização do diferente.

A identidade que Trump exalta é branca, heterossexual, cisgênero e americana. Há ainda quem diga que é masculina, cristã-fundamentalista e endinheirada. Em pouco mais de duas semanas desde a posse, o republicano já acumula um catatau de políticas identitárias e, por que não, nacionalistas.

Em sua política anti-imigração, Trump quer fazer deportações em massa e desafiar a Constituição dos EUA ao dizer que filhos de pessoas que entraram ilegalmente no país não podem ser considerados cidadãos americanos —a medida já foi suspensa pela Justiça.

Na conhecida cruzada contra a chamada “ideologia de gênero”, foram retirados do ar milhares de websites de órgãos públicos que mencionavam palavras como “transgênero” ou “LGBT”. No caso do CDC, que atua para o controle e prevenção de doenças no país, até informações sobre vacinas e HIV foram afetadas.

O mandatário emitiu um decreto para que mulheres e meninas transgênero sejam proibidas de jogar em times femininos em escolas e faculdades. Críticos veem uma violação de direitos de uma minúscula parcela entre as atletas. Na mesma toada, o governo orientou funcionários de diversas agências federais a retirar seus pronomes das assinaturas de emails.

O congelamento dos fundos da Usaid, agência de ajuda externa, é outra face da questão. O órgão fundado em 1961 destina verba para todo o mundo e tem forte atuação em questões de saúde, como HIV, coronavírus e assistência à maternidade. Também atua contra a pobreza, dando acesso a água tratada e comida, por exemplo. Em 2023, países africanos e árabes, majoritariamente não brancos, eram maioria entre os dez principais beneficiários.

Agora, o mais recente arroubo identitário é tomar a Faixa de Gaza, fazendo com que os EUA assumam o controle do local e desloquem os palestinos não se sabe para onde. Um dos objetivos seria transformar o espaço em uma Riviera, conforme o próprio mandatário disse. Isso após sugerir que o bom seria remover os moradores do local para outros países árabes para “limpar a coisa toda”, além de cortar relações com a agência da ONU para refugiados palestinos.

A fala de contornos higienistas tem sido interpretada por acadêmicos como limpeza étnica. O identitarismo aqui mora na ideia de tirar árabes de suas casas para transformar o local em um potencial resort de luxo para permitir que norte-americanos e europeus tomem sol de forma segura no “exótico” Oriente Médio. O plano foi rejeitado por todos os lados, mas Trump insiste na coisa.

Ao contrário do previsto por apoiadores, o segundo mandato de Trump está longe de dar um descanso para pautas identitárias, que supostamente estariam inundando os EUA após o governo Biden. O recém-empossado presidente americano é o identitarismo esculpido e encarnado. Atira para todos os lados, mas com a mesma munição. Afinal, “America first”.