Argentina debate negligências na morte de Maradona – 15/03/2025 – Sylvia Colombo

No dia 25 de novembro de 2020, a Argentina deixou de respirar por um instante. Lembro-me de voltar da rua, ligar o aparelho televisor e ver apenas uma imagem congelada, como se o planeta tivesse parado de vez. Mostrava uma cena da Copa de 1986. Era a de um Maradona sozinho com a bola nos pés em uma partida contra os ingleses.

A legenda da notícia tinha um tom de tabloide, usado sempre que se trata de futebol na Argentina, e assinalava para a grande notícia do dia: “Deus morreu”.

Vínhamos de meses de confinamento, incertezas e insatisfações. Nesse ambiente de expectativa e algo de medo, a mais espantosa notícia que um jornalista na Argentina poderia cogitar naquelas circunstâncias ocorreu.

A manchete (“Deus morreu”) gerava a necessidade de sair às ruas. Foi uma jornada ininterrupta, entre a tarde da notícia da morte até a manhã da exposição do corpo na Casa Rosada.

Mas, por que o assunto volta à tona agora, em pleno ano de 2025? Porque começou na última semana o julgamento daqueles médicos acusados de negligência, o que teria feito com que Maradona morresse do modo mais indigno possível.

Numa das passagens mais terríveis, um dos promotores, no início do julgamento sobre a morte do craque, mostrou o que seria uma das últimas imagens de Maradona. Ele estava exposto numa cama com uma barriga enorme e dificuldades para respirar.

O promotor afirmou que a transferência de uma clínica particular a uma casa improvisada havia sido um erro. Apesar de ser um apartamento luxuoso num dos bairros mais nobres de Buenos Aires, o espaço contava apenas com um banheiro químico.

A administração dos medicamentos receitados tanto para o coração quanto para a ansiedade vinha sendo feita de modo livre, sem seguir as orientações da clínica. Ao que tudo indica, quem o medicava o fazia em doses fora do normal, sempre acompanhado de cerveja ou uísque.

As filhas reconhecidas, Dalma e Gianinna, afirmam não ter tido acesso ao pai nos últimos dias, o que era controlado pelo médico Leopoldo Luque. Áudios entre ele e sua equipe para impedir que Maradona fosse visto no estado em que estava são usados agora como prova para levá-lo à cadeia.

Maradona foi assassinado? Ou foi mantido vivo por médicos inescrupulosos que enriqueceram horrores desde que passaram a cuidá-lo? São questões que o tribunal tem de resolver.

Uma das interrogadoras questionou se Maradona teria sido mantido com vida, mas sem os cuidados necessários, para que seus médicos continuassem cobrando uma fortuna para cuidar dele.

A opinião pública julga também as mulheres e as filhas e filhos (entre legítimos e não legítimos) por não estarem presentes nos seus meses finais. No tribunal, eles foram vistos abraçados e chorando. A sensação que dá é que Maradona foi uma marionete útil e milionária para quem quisesse tirar fortunas de seus bolsos generosos.

Um julgamento como esse, na Argentina, tem alguma chance de passar despercebido? Não. Temas como a possível entrega da Ucrânia a Putin, o estouro na América Central de migrantes e narcotraficantes e até a birra de Milei com Lula parecem que serão laterais no país durante os seis meses em que o julgamento deve durar.

Mataram Maradona ou o deixaram morrer enquanto tiravam proveito financeiro disso? Hoje, esse é o grande assunto nacional argentino.


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