A crise imigratória tem um peso enorme na eleição da Alemanha neste domingo (23). E pelas razões erradas. O motor da imigração é a carência de mão de obra; conceber melhores formas de regulá-la seria o verdadeiro caminho. “Precisamos de uma nova geração de políticos que se atreva a dizer a verdade”, afirma Hein de Haas, professor de sociologia da Universidade de Amsterdã, especialista na área.
“Não é uma questão de ser pró ou contra. Admitir que é uma questão complexa, como se faz com a economia, por exemplo, já seria um bom começo.”
E o pano de fundo da eleição é justamente econômico. Pesquisas de opinião elencam o assunto bem à frente de refugiados ou segurança pública. Já são dois anos seguidos de estagnação econômica, há sinais de desindustrialização, excesso de burocracia, transição energética custosa para a sociedade, entre outras questões. A resposta para a maioria delas não produz voto, pelo contrário.
Veja em sete pontos como o mito da crise imigratória embaralha as cartas da política alemã, com a ajuda de De Haas, autor do livro “How Migration Really Works” (como a imigração realmente funciona), ainda sem tradução no Brasil.
Falta mão de obra
“A melhor receita contra a imigração é uma recessão”, diz De Haas. Só há fluxo migratório porque há crescimento e falta de mão de obra. Mesmo estagnada, a Alemanha tem carência de profissionais em diversas áreas. “Há um mito de que a Europa só precisa de engenheiros, médicos e pessoas altamente qualificadas. A realidade: quem colhe a safra nos EUA, quem cozinha, entrega, limpa? E o cuidado com idosos na Alemanha, o trabalho em restaurantes, hotelaria, transporte e táxis? Há muita hipocrisia em torno da questão.”
Há excesso de refugiados
A média de imigrantes na Alemanha gira em torno de 15%, mais alta do que a média europeia, devido à recepção de refugiados sírios no governo Angela Merkel e de ucranianos fugindo da guerra na atual administração, de Olaf Scholz. “Muitos outros países europeus pegam carona na hospitalidade alemã. A reclamação é justa, mas tem mais a ver com a falta de compartilhamento de responsabilidades dentro da União Europeia.”
Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, nega asilos desde 2015. Na verdade, apenas exporta o problema para outros países. “Mas isso é só com asilo, entre 10% e 15% do total. Mesmo a Hungria e a Itália de Giorgia Meloni absorvem muita mão de obra vinda de fora. Nove em cada dez africanos vêm para a Europa legalmente.”
A hipocrisia dos políticos
A crise imigratória atrai o discurso político por duas razões, segundo De Haas. Os imigrantes são bode expiatório para problemas que não causaram. “As pessoas têm razão em estar zangadas com a crescente desigualdade, ricos cada vez mais ricos, inflação e custo de vida. Nada disso foi causado por imigrantes, mas por políticas neoliberais, com as quais os políticos não querem mexer.” O segundo motivo é o medo, o mecanismo mais poderoso para angariar apoio a um líder forte. “Apela aos nossos instintos mais tribais.”
Fechar fronteiras é impossível
“As pessoas não vão até as fronteiras para entender o que significa fechá-las. Não dá para isolar todo o território alemão. Só um Estado totalitário consegue fazer isso. E muito totalitário, tipo Coreia do Norte.” Não haveria recurso ou pessoal suficiente para operação do tipo na Europa. O fechamento também causaria enormes prejuízos econômicos.
A questão da segurança
“Os crimes violentos diminuíram nos últimos 20 anos, inclusive na Alemanha. Não há evidência de relação entre imigração e crime. É um duplo mito”, afirma o professor. Os recentes ataques na Alemanha demonstram, de um lado, a falha das autoridades em ignorar sinais de alerta (em dois casos os agressores tinham histórico de violência ou distúrbio mental); de outro, problemas de integração e marginalização. É com isso que os políticos deveriam estar preocupados, mas “com os problemas reais”, diz De Haas.
O paradoxo da fronteira fechada
“Se a migração é livre, a maioria das pessoas vai e volta. Uma vez que você torna mais difícil a entrada, as pessoas tendem a permanecer. Particularmente em sistemas de migração já bem estabelecidos, onde já há comunidades que podem fornecer ajuda e abrigo.” É o que ocorreu na maioria dos países a partir do advento de vistos nos anos 1970, quando mexicanos nos EUA e turcos na Alemanha, por exemplo, resolveram ficar e trazer a família, provocando um segundo fluxo migratório. Esse é o paradoxo, a fronteira fechada aumenta a imigração. “A maior fonte de imigração irregular não são as travessias. São as pessoas que ficam mais tempo do que os vistos permitem. Como os brasileiros na Europa.”
O perigo para a democracia
“Políticos autoritários e de extrema direita abusam da luta contra a imigração para atacar o estado liberal, a democracia. Esse é o perigo”, pondera De Haas, apontando para os EUA de Donald Trump e a onda populista que varre a Europa. “Isso não é mais apenas brincar com um pouco de xenofobia. É realmente abusar do medo da população.” A solução é complexa e passa pela criação de novos canais legais para imigrantes menos qualificados. “É a única solução. Precisamos urgentemente de um novo paradigma, uma nova visão sobre migração. E de uma nova geração de políticos.”