A Europa tem pouco tempo para resolver seu quebra-cabeças – 25/02/2025 – Rui Tavares

A característica mais visível da realidade europeia é a enorme diversidade linguística, cultural e nacional do continente. Essa diversidade, porém, esconde uma homogeneidade muito maior do que os próprios europeus estão dispostos a conceder.

A verdade é que a experiência social dos europeus tem uma variabilidade menor, de Lisboa a Varsóvia, onde me encontro, do que entre extremos de uma extensão semelhante, mesmo que esta seja de um país apenas.

A Europa, em particular na União Europeia, é um continente de classe média. O seu índice de Gini, que mede a desigualdade, é metade do brasileiro. Ao passo que no Brasil, como se dizia há uns anos, uma Bélgica pode coexistir com uma Índia na mesma realidade social, na Europa um lisboeta e um varsoviano ganham mais ou menos o mesmo e têm uma rotina de emprego, transportes e formação menos diferente, por exemplo, do que se compararmos um rico de Porto Alegre com um pobre de Manaus, ou vice-versa.

Um português partilha muito mais referências culturais com um brasileiro do que um polonês. No entanto, é com os poloneses (e com outros 25 países) que temos uma União que não é a mesma coisa que um país, mas que também não é uma simples organização internacional.

Essa União é dificultada pelo fato de a história política de cada um dos países ser muito diferente —a guia que nos conduz agora, e ao meu grupo de parlamentares da UE, pelas salas do Castelo de Varsóvia, fala-nos de reis e batalhas importantíssimos para eles, e de que nós ignoramos quase tudo— mas é facilitada pelo fato de os principais desafios políticos atuais serem comuns.

O principal desses desafios neste momento é que, embora a guerra que se passa a apenas uma fronteira daqui seja nominalmente só entre a Rússia e a Ucrânia, por trás disso ela é uma guerra ideológica que a Federação Russa e o seu comando político movem a toda a União Europeia. E agora os Estados Unidos estão do lado da Rússia, contra a ideia da Europa.

E aí a história da Polônia, que a guia nos conta agora, pode nos ajudar. Houve um tempo em que a Polônia e a Lituânia estiveram juntas numa grande comunidade que era o maior Estado europeu da época. Tinham um Parlamento conjunto no qual cada nobre podia exercer o direito de veto.

Vendo isso, as potências estrangeiras começar a comprar líderes políticos, para que eles bloqueassem todas as decisões da Comunidade. O último rei polonês livrou-se desse veto, mas foi tarde demais: três impérios dividiram a Polônia entre si, e o país desapareceu durante mais de cem anos.

Também a União Europeia tem tudo para dar certo como comunidade, exceto o funcionamento político bloqueado pelo veto individual de governos como o da Hungria de Viktor Orbán. Percebendo essa debilidade, Vladimir Putin e Donald Trump têm usado políticos como Orbán como forma de boicotar a capacidade de decisão da UE.

Agora que a Europa precisa de se preparar para se virar sozinha, é tempo de aprender com os erros que ditaram o fim da Comunidade Polaco-Lituana, no século 18, e construir uma comunidade política eficaz antes que seja tarde.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.