Harvard suspende temporariamente a contratação de professores. Columbia tem de lidar com cortes de US$ 400 milhões em financiamento federal. Caltech deixa de preencher posições de pós-doutorado. Um pesquisador da Universidade de Washington se pergunta como ficará uma bolsa de pesquisa em clima e saúde depois que um site do governo foi retirado do ar.
Essas são apenas algumas das repercussões das mudanças promovidas pelo governo Donald Trump. Embora o setor privado historicamente tenha fornecido mais financiamento para pesquisa e desenvolvimento nos Estados Unidos, especialistas dizem que as demissões em massa de Trump e a suspensão de bilhões de dólares aprovados pelo Congresso podem ter efeitos em cascata no setor científico no país nos próximos anos.
Muitos cortes de pessoal e financeiros estão sendo feitos sob o pretexto de racionalizar o governo —ideia defendida pelo bilionário Elon Musk e seu Departamento de Eficiência Governamental—, mas também há cancelamentos e ameaças de financiamento ligados a alegações de antissemitismo nos campi.
Várias dessas ações foram contestadas na Justiça, e a implementação de algumas acabou suspensa. No entanto, em outros casos pesquisas já foram interrompidas ou lançadas no limbo, de acordo com entrevistas com mais de 25 professores, pesquisadores acadêmicos e especialistas nos setores público, privado e sem fins lucrativos.
Os cortes de gastos põem em risco o surgimento de talentos na ciência no país, alertam especialistas. E, se o Congresso ratificar essas medidas, elas podem alterar radicalmente um sistema que permitiu aos Estados Unidos se tornarem um líder mundial em pesquisa desde a Segunda Guerra Mundial.
“É um ecossistema que beneficia a todos e manteve os EUA na vanguarda”, diz Fiona Harrison, presidente da divisão de física, matemática e astronomia de Caltech, em um email. “Essa situação está pondo em risco a capacidade de nossa nação de permanecer na vanguarda da ciência e engenharia, reduzindo ou eliminando uma geração de jovens talentos.”
O governo tem sido uma fonte essencial de dados para áreas como clima e saúde. O investimento no Serviço Nacional de Meteorologia (NWS) e em suas funções de suporte, por exemplo, possibilitou o crescimento de uma indústria comercial de previsão do tempo.
Esses sistemas geram pelo menos US$ 85 bilhões em benefícios econômicos, ou mais de 20 vezes o que o governo gasta, de acordo com Jeffrey Lazo, economista independente que acompanha o valor dos serviços de previsão dos EUA. “Sem os dados e observações federais, seria muito difícil dizer que haveria qualquer empreendimento meteorológico privado.”
Devido a recentes demissões e saídas voluntárias de centenas de pessoas na Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), que supervisiona o NWS, três escritórios locais de previsão reduziram a coleta de dados básicos. Um em Kotzebue, no Alasca, interrompeu completamente o lançamento de balões meteorológicos.
“Dos locais remotos vêm alguns dos dados mais valiosos”, afirma John Dean, cofundador da startup de previsão do tempo com IA WindBorne Systems. “Perder essas observações significa que a qualidade de nossas previsões vai se degradar.”
A empresa, que coleta dados usando seus próprios balões meteorológicos, conversa com a NOAA sobre como pode preencher as lacunas recém-criadas, segundo Dean. A agência confirmou que estava em contato com a startup, acrescentando que o assunto está “sob análise no NWS”.
Em fevereiro, os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) anunciaram a redução em 15% do valor para custos indiretos em bolsas, que os premiados podem usar para cobrir despesas com manutenção e suporte técnico. O instituto normalmente cobre mais da metade desses custos. Um juiz do tribunal de Massachusetts suspendeu os cortes na semana passada, mas a possível mudança preocupa pesquisadores.
“Todo dia há algo novo e algo para o qual eu não estava preparada e meus colegas tampouco”, diz Alexandra Tate, socióloga e professora da Universidade de Chicago. Ela tem duas propostas de bolsas do NIH, que juntas somam quase US$ 650 mil, em suspenso. “Não sei para onde minha carreira está indo a partir daqui.”
O cancelamento de bolsas em outras agências já está levando a perdas de empregos.
A Administração de Seguro Social (SSA) notificou pesquisadores de um consórcio de seis centros acadêmicos para anunciar que a bolsa plurianual deles de mais de US$ 70 milhões foi cancelada em 20 de fevereiro, de acordo com Teresa Ghilarducci, pesquisadora afetada pelo cancelamento e presidente do departamento de economia da New School, em Nova York —ela é ex-colunista da Bloomberg Opinion.
Essa bolsa —que financiou pesquisas sobre aposentadoria que contribuíram para a formulação de políticas federais— impactou o trabalho de mais de 50 pessoas na Universidade de Wisconsin-Madison, incluindo a dispensa de cinco pesquisadores sêniores, segundo Ghilarducci, que diz que haverá mais perdas de emprego em outros centros.
Procuradas, a Casa Branca, a Administração de Seguro Social e o Departamento de Saúde e Serviços Humanos não responderam à reportagem.
Enquanto pesquisadores lidam com restrições de financiamento, as universidades diminuem os gastos que vão impactar as operações nos próximos anos.
Harvard, Stanford, Universidade da Pensilvânia e MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) recentemente anunciaram o congelamento de contratações. A Universidade Johns Hopkins disse que vai cortar mais de 2.000 postos nos EUA e no exterior após o término de mais de US$ 800 milhões em subsídios da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid). A universidade é a principal beneficiária de financiamento de pesquisa e verbas do NIH.
“Isso não está a um desvio padrão da normalidade. Nem mesmo a dois. Isso está muito além do extremo”, diz Suresh Venkatasubramanian, cientista da computação na Universidade Brown e diretor-assistente no Gabinete de Política Científica e Tecnológica do ex-presidente Joe Biden.
Pesquisadores em início de carreira são particularmente vulneráveis. A Universidade da Virgínia Ocidental diz que está limitando a admissão em programas de doutorado em ciências da saúde devido a “desafios orçamentários imprevistos”. Citando incertezas com financiamento e altas taxas de aceitação, a Universidade Estadual de Iowa afirma que alguns departamentos revogaram ofertas feitas a estudantes de pós-graduação que não haviam aceitado formalmente suas vagas.
“Infelizmente, a extensão dos cortes de Trump na ciência só ficou evidente depois de enviarmos ofertas aos estudantes de pós-graduação”, afirma Harrison, presidente do Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia). Embora a universidade não vá revogar as ofertas, ela diz que “provavelmente reduziremos drasticamente as admissões no próximo ano” e que até mesmo pode não admitir “nenhum estudante de pós-graduação em muitas áreas de ciências e matemática”.
A economia dos EUA tem sido intimamente ligada à área da ciência desde a Segunda Guerra Mundial. O Federal Bank de Dallas estima que a taxa de retorno para pesquisa e desenvolvimento governamentais não relacionados à defesa nos últimos 80 anos varia entre 150% e 300%, sugerindo que esse financiamento federal efetivamente se paga ao longo do tempo.
Embora o setor privado forneça a maior parte do financiamento em pesquisa e desenvolvimento nos EUA, de acordo com a National Science Foundation (NSF), o governo federal responde por um suporte crucial, inclusive para a ciência sem expectativa imediata de comercialização.
O setor privado sentiria o impacto de perder “pesquisa básica em áreas que não pode financiar por si mesmo”, diz Diane Souvaine, cientista da computação na Universidade Tufts e ex-presidente do conselho da NSF. “Perderemos áreas-chave se houver um recuo federal excessivo.”
Uma queda no número de estudantes de pós-graduação também resultaria em um grupo menos especializado para a indústria de biotecnologia contratar, avalia a bióloga Carole LaBonne, da Universidade Northwestern. Ela é beneficiária de bolsa do NIH.
Conforme a incerteza domina as instituições de pesquisa dos EUA, outros países tentam atrair talentos americanos. Pelo menos uma universidade francesa está se apresentando como um “local seguro para a ciência”. A China também tem intensificado a contratação.
“Já estamos vendo a China anunciar a contratação de cientistas demitidos para se mudar e trabalhar lá”, diz Zoe Lofgren, a principal democrata no Comitê de Ciência, Espaço e Tecnologia da Câmara, em um comunicado por email.
“Seríamos extremamente tolos se decidíssemos abrir mão da preeminência que tivemos na pesquisa científica”, afirma Shirley Tilghman, ex-presidente da Universidade de Princeton e bióloga molecular.