A política global está passando por uma profunda transformação. A sociedade tornou-se mais horizontal, rompendo com estruturas tradicionais e redefinindo a relação entre cidadãos e poder. As autoridades já não possuem um papel inquestionável na condução da sociedade, e a crise desse princípio reflete-se em diversos âmbitos, como a religião, a política, a economia e a comunicação.
Na religião, Charles Taylor descreve esse processo como uma “supernova espiritual”, onde os fieis abandonam a autoridade centralizada e buscam crenças alternativas e descentralizadas. O catolicismo perdeu quase 30 pontos percentuais na América Latina desde 1995, enquanto os evangélicos triplicaram. Além disso, cresce o número de pessoas que se declaram “espirituais, mas não religiosas”, refletindo um cenário fragmentado e diversificado.
Na política, os partidos tradicionais perderam sua capacidade de mobilizar eleitores. Peter Mair argumenta que as legendas tornaram-se meras burocracias, distantes da sociedade. Essa mudança abriu espaço para novos líderes que desafiam o sistema, como López Obrador no México, que fundou o Morena e venceu após sete anos, rompendo com a hegemonia do PRI e do PAN. Na França, Emmanuel Macron criou o La République En Marche! e conquistou a presidência em menos de um ano. Na Argentina, Mauricio Macri precisou de uma década para consolidar o PRO, enquanto Javier Milei, com um partido recém-criado, chegou à presidência sem uma estrutura partidária sólida. A tendência é clara: os eleitores não votam mais em partidos, e os votos já não pertencem às lideranças tradicionais.
Na economia, a autoridade estatal e bancária também está sendo desafiada. O Bitcoin surgiu em resposta à crise de 2008, como uma alternativa descentralizada ao dinheiro controlado pelos governos. Em países com inflação elevada, como Argentina e Venezuela, as criptomoedas ganharam adesão significativa, pois a população desconfia das políticas monetárias estatais. Nayib Bukele, presidente de El Salvador, adotou o Bitcoin como moeda de curso legal e criou reservas estatais em criptomoeda, o que, segundo estimativas, já gerou ganhos de 120% ao país. Além do Bitcoin, plataformas como Ethereum permitem transações financeiras sem a necessidade de bancos, ampliando a descentralização econômica.
A comunicação também sofreu uma revolução. Os meios tradicionais, como jornais e televisão, perderam influência sobre a opinião pública. Em 1970, 70% dos americanos confiavam na mídia; hoje, esse número caiu para apenas 30%. A internet e as redes sociais fragmentaram o consumo de informações, e a intermediação jornalística foi substituída por criadores de conteúdo digital. Streamers e podcasters, como Joe Rogan nos EUA, exercem hoje um papel similar ao dos jornalistas do passado, interpretando e disseminando informações para milhões de seguidores.
Os novos líderes políticos compreendem essa transformação e utilizam as redes sociais para se conectar diretamente com seus eleitores. Plataformas como YouTube, Twitch, Instagram e Facebook permitem que esses líderes controlem sua narrativa sem depender da mídia tradicional. Javier Milei, por exemplo, popularizou-se não apenas através da TV, mas principalmente por meio de vídeos curtos e virais no YouTube, além de retransmissões feitas por contas secundárias como “El Peluca Milei”. O resultado é um contato mais direto e íntimo entre político e eleitor, sem a necessidade de porta-vozes ou intermediários.
A crise do princípio de autoridade está incentivando novas formas de liderança. Muitos desses novos líderes entenderam que o poder, hoje, é conquistado e mantido pela ruptura, pela emoção e pela comunicação direta. São figuras que se apresentam como agentes da mudança, porta-vozes das emoções populares e personagens próximos, que falam diretamente com seu público sem filtros.
Resta saber se esses novos estilos de liderança serão capazes de transformar as sociedades de maneira duradoura ou se, no final, serão apenas mais uma adaptação do sistema político tradicional a um mundo em constante mudança.
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