Quando foi capturado pela polícia, em Manila, nesta terça-feira (11), o ex-presidente filipino Rodrigo Duterte perguntou aos guardas qual era a base legal para sua detenção.
A ordem de captura foi expedida pelo TPI (Tribunal Penal Internacional), mas o próprio Duterte havia retirado as Filipinas da jurisdição dessa corte, quando ainda era presidente, em 2018. Ele esperava apagar o rastro de seus crimes contra a humanidade antes de encerrar o mandato e, com isso, tornar-se inalcançável pela Justiça internacional depois da aposentadoria. Mas algo deu errado.
Duterte parece não ter se atentado ao fato de que, mesmo quando um país denuncia o Estatuto de Roma –o que significa retirar-se do documento que dá sustentação ao TPI –, ainda assim segue sujeito à jurisdição da corte em relação aos crimes que tenham sido cometidos no período em que se manteve como Estado-parte.
A adesão das Filipinas ao Estatuto de Roma se deu em 2011, durante o mandato do presidente Noynoy Aquino. Mas, depois da saída dele do poder, Duterte assumiu e deu início a uma política de extermínio, conduzida sob pretexto de combater o tráfico de drogas no país. Os números de mortos variam entre os 6.200, reconhecidos oficialmente, e os 20.000, estimados por organizações de direitos humanos. Foi para apagar o rastro desses crimes e impedir uma persecução penal internacional que Duterte denunciou o Estatuto de Roma em 2018, consumando o desligamento do TPI em 2019.
A Justiça nacional tem sempre a preferência na hora de julgar seus cidadãos. Caberia, portanto, ao próprio Poder Judiciário filipino ter movido uma ação contra Duterte, o que poderia ter sido feito com base no chamado Ato Republicano Nº 9.851, que trata de “crimes contra o direito internacional humanitário (aplicado em tempos de guerra), genocídio e outros crimes contra a humanidade”. A Justiça filipina, no entanto, não se moveu nesse sentido, como Duterte poderia esperar; preferiu deixar uma brecha aberta para que o TPI entrasse em ação.
Logo após a captura de Duterte, a Suprema Corte Filipina recebeu uma petição feita pelos advogados do ex-presidente, na qual eles questionam a jurisdição do TPI, com base no fato de o Estatuto de Roma ter sido denunciado sete anos antes. A postura da mais alta corte do país é, no entanto, de manter a cooperação e seguir adiante com a entrega de Duterte ao TPI, sediado em Haia, na Holanda.
Duterte ainda não foi condenado. A ordem de captura foi expedida pelo Juizado de Instrução, que cuida do trâmite processual. Ao chegar a Haia, ele terá de ser conduzido à presença de um juiz em no máximo 96 horas. O julgamento pode levar ao todo até oito meses.
O caso filipino serve de alerta para outros líderes internacionais que acreditam estar fora do alcance da Justiça internacional simplesmente porque seus países não aderiram ao Estatuto de Roma. Israel, por exemplo, não reconhece a jurisdição dessa corte, mas seu primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, tem uma ordem de prisão contra si, expedida pelo TPI, e pode ser preso caso viaje a algum país disposto a cumprir com a obrigação de detê-lo e deportá-lo. O mesmo acontece com o presidente russo, Vladimir Putin.
Aqui mesmo, na América Latina, há dois casos em análise preliminar de admissibilidade no TPI: um contra o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que tem diversas comunicações feitas contra si por organizações brasileiras; e outro contra o ditador venezuelano, Nicolás Maduro. Não se sabe ainda se ambos preenchem os critérios exigidos para que os casos sigam adiante, o que depende de análise feita pelo procurador do TPI, Karim Khan.
A ideia de responsabilização internacional por crimes dessa magnitude é recente. As primeiras normas surgiram em 1864, mas só nos anos 1990 foram criadas instâncias internacionais capazes de julgar esses crimes, sem que fossem tribunais montados por vencedores, como nos casos de Tóquio e Nuremberg, em 1945.