O retorno de Donald Trump à Casa Branca inaugura uma nova era na política comercial dos Estados Unidos, representando uma ruptura fundamental com o passado —incluindo seu primeiro mandato.
O chamado “muro tarifário” que Trump pretende erguer ao redor dos EUA não é apenas uma versão mais agressiva de sua abordagem anterior. Trata-se de um esforço muito mais ambicioso para remodelar a ordem econômica global e o papel dos EUA nela, impulsionado por um presidente agora menos preocupado com as consequências.
Os primeiros blocos desse muro tarifário foram colocados em 4 de março, com a imposição de tarifas de 25% sobre importações do Canadá e do México, que haviam sido anunciadas como ameaça em fevereiro e adiadas no último momento. Os EUA também dobraram as tarifas sobre produtos chineses, elevando a taxa acumulada para mais de 30%. Canadá e México reagiram imediatamente com medidas retaliatórias, mirando setores politicamente sensíveis dos EUA.
Após dois dias de intensa pressão e turbulência no mercado —que Trump atribuiu ao que ele chama de globalistas—, automóveis de México e Canadá e produtos que atendem ao Acordo EUA-México-Canadá (USMCA) receberam uma isenção temporária de um mês.
No entanto, essa pausa não significa que Trump está recuando em relação a seus parceiros comerciais mais próximos. Ele prometeu impor tarifas de 25% sobre importações de aço e alumínio até 12 de março, atingindo especialmente o Canadá. Além disso, pretende taxar importações globais de automóveis a partir de 2 de abril, afetando não apenas Japão, Coreia do Sul e Alemanha, mas também México e Canadá, onde fabricantes americanos estabeleceram cadeias de suprimentos.
O governo Trump também planeja anunciar tarifas recíprocas para igualar as que outros países impõem aos EUA, levando em conta práticas não tarifárias, como impostos, subsídios e manipulação cambial. Países com regimes tarifários elevados, como Índia, Argentina, Coreia do Sul e Brasil, podem ser os mais afetados.
Nas primeiras semanas de seu segundo mandato, Trump demonstrou estar mais disposto a usar tarifas do que antes. Mas a mudança não é apenas de intensidade: ele já não as vê como um instrumento de negociação. Por isso, as tarifas sobre México e Canadá foram justificadas por questões como o tráfico de fentanil e a migração irregular, e por isso ele nem sequer considerou contrapropostas antes de impô-las.
O governo enquadra essas tarifas como ferramentas essenciais para trazer cadeias de suprimentos de volta aos EUA, revitalizar a indústria nacional e aumentar a arrecadação. Não se trata mais de corrigir déficits comerciais bilaterais ou punir práticas desleais, como no primeiro mandato de Trump, mas sim de “proteger a alma do país” e garantir que o mercado americano tenha o devido valor.
Essa mudança se baseia na convicção de Trump de que a ordem econômica liberal do pós-guerra não foi a base da prosperidade dos EUA, mas sua ruína. Segundo essa visão, os EUA abriram mão de sua soberania econômica ao reduzir tarifas e permitir a saída irrestrita de capitais.
No primeiro mandato, Trump já havia questionado o consenso bipartidário de liberalização de mercado e integração global, mas agora ele eleva a aposta. Sua estratégia é usar o poder econômico, militar e tecnológico dos EUA para remodelar os fluxos de comércio global a seu favor.
No centro dessa estratégia está a China. Trump tem ainda menos interesse em negociar com Pequim do que com Canadá e México. As tarifas sobre produtos chineses não vieram acompanhadas de demandas ou tentativas de acordo. A retaliação chinesa tem sido moderada até agora, mas as tarifas americanas sobre importações da China estão se aproximando de um patamar que pode exigir uma resposta mais firme para evitar que Pequim pareça fraca internamente.
Enquanto Washington ergue seu muro tarifário, também pressiona aliados a cortarem componentes e investimentos chineses de suas cadeias de suprimentos, pelo menos nos setores considerados estratégicos para a segurança nacional, como semicondutores, minerais críticos, aço e alumínio. O risco de uma nova Guerra Fria é real, e a escalada das tensões pode ter impactos devastadores para as duas maiores economias do mundo —e para a economia global.
Mas o efeito mais duradouro da política comercial de Trump pode ser sobre a própria arquitetura econômica global. Não há um grande acordo em negociação com a China ou com qualquer outro país. Em vez disso, assiste-se à transição de um sistema baseado em regras e integração gerenciada para um modelo de desglobalização forçada, fragmentação caótica e autossuficiência econômica.
Trump provavelmente manterá esse curso mesmo diante de impactos econômicos severos. Ele acredita que os americanos sentirão os benefícios da estratégia no longo prazo, ainda que isso envolva um período de turbulência. “Vai haver um pouco de dor?”, escreveu ele em fevereiro sobre as tarifas. “Talvez (ou talvez não!). Mas faremos a América grande novamente, e tudo valerá o preço a ser pago.”
Seu apoio entre os eleitores republicanos é sólido o suficiente para resistir a um eventual impacto econômico, pelo menos por um tempo. E, diferente de seu primeiro mandato, ele não enfrenta resistência dentro do gabinete ou no Congresso. Sem precisar se preocupar com a reeleição, Trump está mais disposto a suportar os custos políticos e de mercado de sua estratégia —o que torna seu muro tarifário uma realidade duradoura.
O mundo entra agora em um período de incerteza econômica, não apenas porque as tarifas causarão inflação ou perturbações nas cadeias de suprimentos —o que acontecerá—, mas porque os EUA estão ativamente desmantelando a ordem econômica que ajudaram a criar.
Ainda não se sabe se essa tentativa de restaurar a hegemonia americana será bem-sucedida ou não, mas é o maior desafio ao sistema comercial global desde sua criação. E, diferentemente dos desafios anteriores, desta vez a ameaça vem do próprio arquiteto do sistema.
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