O médico francês Joël Le Scouarnec, acusado de estuprar 299 pacientes, muitos deles crianças e adolescentes, disse nesta terça-feira (4), durante seu julgamento na França, que poderia ser tanto um “bom cirurgião” quanto um “pervertido sem remorso”.
“Minha atividade pedófila era uma coisa e minha atividade profissional era outra, e essa atividade pedófila não tinha nenhuma repercussão em minha atividade profissional”, disse ele, diante do tribunal criminal em Vannes, no oeste da França, no maior julgamento de caso de pedofilia da história da França.
Scouarnec prosseguiu afirmando que para algumas pessoas isso é incompreensível. “Como você pode ser um cirurgião e, ao mesmo tempo, cometer atos de agressão contra alguns de seus pacientes?”, perguntou-se ele, afirmando mais tarde que “essas são duas coisas que se justapõem”.
“Eu também fui aquele cirurgião que se aproveitou de seu status para abusar de crianças” e ver pornografia infantil durante os intervalos de almoço em seu consultório, admitiu.
“Eles achavam que eu era uma boa pessoa e fui eu quem os traiu”, afirmou, referindo-se a seus colegas de trabalho nos cerca de 15 hospitais no oeste da França onde ele estuprou ou agrediu sexualmente centenas de pacientes entre 1989 e 2014.
Aos 74 anos, Le Scouarnec é acusado de 111 estupros e 189 agressões sexuais cometidos entre 1989 e 2014, agravados pelo fato de que ele abusou de sua posição como médico e de que as vítimas eram geralmente menores de 15 anos (256 das 299).
Na última sexta-feira (28), o ex-cirurgião francês confessou ter abusado sexualmente da própria neta. “Sim, confesso que abusei sexualmente de minha neta”, declarou ao tribunal de Vannes na presença de seu filho primogênito, pai da criança. A audiência foi suspensa para que o filho do acusado e sua companheira fossem atendidos por psicólogos.
Nos cadernos e arquivos apreendidos durante sua prisão em 2017, o médico havia escrito sobre “fantasias sexuais” com sua neta mais de 20 vezes —desde que a vítima tinha apenas 45 dias de vida.
Antes da confissão, o pai da criança havia falado ao tribunal sobre incestos e múltiplas agressões sexuais que marcam o contexto familiar e a personalidade do pai. A média de idade das vítimas, no momento dos crimes, era de 11 anos.
A França iniciou o julgamento, que deve durar quatro meses, no fim de janeiro. No primeiro dia de audiência, Scouarnec admitiu a autoria de seus crimes e confessou ter cometido “atos abomináveis”.
A polícia apreendeu na casa do acusado uma coleção de bonecas, acessórios sexuais e milhares de arquivos digitais, com imagens de pornografia infantil e uma espécie de diário no qual, segundo o volumoso inquérito, o cirurgião registrava nomes e idades das vítimas, datas e detalhes sórdidos dos crimes cometidos.
Scouarnec exerceu a profissão até 2017, quando foi denunciado por uma vizinha: sua filha, de seis anos, tinha lhe contado que o médico se masturbou e a penetrou com um dedo. O ex-cirurgião foi condenado em 2020 a 15 anos de prisão por esse e outros três casos de violência sexual. Desde então, seus arquivos permitiram rastrear centenas de outras vítimas, o que levou ao novo julgamento.