O líder histórico da luta armada dos curdos contra a Turquia, Abdullah Öcalan, pediu para sua organização, o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), depor armas e se dissolver. Preso há 26 anos, ele é considerado o inimigo público número 1 pelo governo turco.
A iniciativa pode colocar fim a quatro décadas de violência, em uma vitória maiúscula do governo de Recep Tayyip Erdogan que pode afetar todo o Oriente Médio. O PKK é considerado um grupo terrorista por Ancara, Washington e aliados, e tem ramificações também nas comunidades curdas na Síria, Iraque e Irã.
“Eu estou fazendo um pedido para a deposição de armas, e eu assumo a responsabilidade histórica por isso”, disse ele em uma mensagem lida em Istambul nesta quinta (27) por líderes do partido DEM (Democracia e Igualdade Popular, em turco), que representa a minoria curda no Parlamento.
Öcalan, de 75 anos, está preso desde que foi capturado por comandos turcos no Quênia, em 1999. Foi condenado à morte, mas a pena foi comutada para prisão perpétua em 2002, quando a Turquia abandonou o expediente exceto em caso de guerra para agradar a União Europeia na negociação enfim fracassada para entrar no bloco.
Ele foi visitado na cadeia, na remota ilha de Imrali, no mar de Mármara, ao sul de Istambul, por sete deputados do DEM. Foi apenas a terceira vez que ele pôde recebê-los desde sua prisão.
“Todos os grupos devem depor armas e o PKK deve se dissolver”, afirmou o líder, segundo o texto lido. O PKK começou sua campanha armada em 1984, centrada na independência do Curdistão turco, com cerca de metade dos integrantes da etnia.
Foi um processo violento, com atentados terroristas e represálias militares turcas, além do choque armado entre os rivais na região norte da Síria a partir da guerra civil iniciada de 2011, que no ano passado viu o colapso da ditadura de Bashar al-Assad —que garantia virtual autonomia ao Curdistão sírio.
Isso incomodava Ancara, que via o risco de mais ações entre as fronteiras. Erdogan, aproveitando a fraqueza dos apoiadores russos e iranianos de Assad, ajudou um grupo jihadista a derrubar a ditadura e agora pressiona os curdos que dominam o norte do país árabe a se submeterem ao novo governo.
A liderança militar das Forças Democráticas da Síria, o exército curdo, saudou o pedido de Öcalan com uma “oportunidade para a paz na região”. O mesmo foi dito por Nechirvan Barzani, o presidente da área curda autônoma do Iraque.
A mensagem de Öcalan, se confirmada e respeitada, parece encerrar o jogo e tenta abrir um diálogo com a Turquia. Nos últimos anos, o PKK já havia mudado o discurso do separatismo para a autonomia da área em que os curdos são majoritários, no sudeste turco, mas Erdogan não deu ouvidos.
Os curdos são conhecidos como o maior povo sem Estado do mundo. São estimados em até 45 milhões de pessoas, a quarta maior etnia do Oriente Médio, a maioria em solo turco —a seguir vêm as comunidades do Irã, do Iraque e da Síria.
Para Erdogan, é o triunfo em uma longa disputa e mais um passo na busca turca por maior influência nos destinos do Oriente Médio. O refluxo do Irã, acossado pelas derrotas de seus prepostos por Israel no pós-7 de Outubro, abriu esse caminho no norte da região.
Antes, Ancara havia colocado um pé firme no Cáucaso, sua antiga fronteira de atrito com a Rússia, ao ajudar o Azerbaijão a derrotar a Armênia e tomar para si o encrave de Nagorno-Karabakh, em 2023. O foco de Moscou na Guerra da Ucrânia, como na Síria, ajudou a azeitar o processo.
O governo de Vladimir Putin, por sua vez, busca manter laços econômicos sólidos com a Turquia, e nesta mesma quinta o chanceler Serguei Lavrov visitou Ancara, de olho na nova configuração geopolítica que o alinhamento de Donald Trump aos interesses do Kremlin na guerra está criando.
Öcalan pede aos turcos mais liberdade. “A linguagem da época de paz e da sociedade democrática precisa ser desenvolvida de acordo com essa realidade”, disse o líder. Ele afirmou que a luta armada “se exauriu”. Se Erdogan irá ouvi-lo é a questão em aberto.
Os curdos, que somam quase 20% da população turca, têm representação política, mas sofrem forte preconceito devido à longa disputa com o poder central. A violência de lado a lado deixou de 15 mil a 40 mil mortos, dependendo da fonte da estimativa, e o mais recente atentado do PKK havia matado cinco pessoas em outubro.
Já houve negociações de paz, tréguas e até uma promessa de deposição de armas curdas antes, mas desde 2015 a hostilidade era aberta entre o grupo e o governo turco. Há relatos de que a liderança de Öcalan não era mais uma unanimidade, e eles serão postos à prova agora.