O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e Elon Musk estão cada vez mais baseando seus esforços para desestabilizar o governo dos EUA e enfraquecer as agências federais na ideia de que estão combatendo fraudes. Trump e Musk usaram essa palavra mais de uma dúzia de vezes no Salão Oval na última terça-feira (11), e o governo Trump continua citando fraudes para se defender nos tribunais.
“Temos quantidades massivas de fraudes que descobrimos”, disse Trump.
Exceto pelo fato de que eles parecem ter dificuldade em localizar a fraude real.
Eles continuam dizendo que descobriram fraudes. Mas quando pressionados por evidências, parecem não ter muitas —ou nenhuma. Em vez disso, frequentemente apontam para programas que podem parecer desperdícios para alguns, mas que foram autorizados pelo Congresso. Eles também têm citado questões que são conhecidas há anos, agindo como se tivessem acabado de descobri-las.
Isso não significa que não exista fraude; uma grande burocracia como o governo está suscetível a isso. O problema é que eles parecem estar usando acusações muito vagas e não fundamentadas de fraude para justificar uma ampla reformulação de agências governamentais específicas.
Vamos analisar isso. A primeira coisa a observar é que dois juízes distintos já repreenderam o governo por apontar fraude sem apresentar provas. “Os réus agora alegam que estão apenas tentando erradicar fraudes”, escreveu o juiz distrital dos EUA John J. McConnell Jr. na segunda-feira (10), ao concluir que o governo violou uma ordem judicial ao não desbloquear inúmeras concessões federais que haviam sido congeladas. “Mas os bloqueios em vigor agora foram resultado de uma ordem categórica ampla, não de uma constatação específica de possível fraude.”
O juiz distrital dos EUA Carl Nichols chegou a uma conclusão semelhante ao impedir os esforços de Trump e Musk para desmantelar a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (Usaid).
Nichols observou que perguntou ao governo qual seria o dano caso sua decisão de colocar 2.000 funcionários da agência em licença fosse bloqueada. O juiz, indicado por Trump, escreveu que o governo “não teve resposta —além de afirmar, sem qualquer suporte documental, que a Usaid como um todo estava possivelmente envolvida em ‘corrupção e fraude'”.
Na quarta-feira (12), a secretária de Imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, foi pressionada sobre as supostas evidências de fraude —e aparentemente estava preparada. “Quanto às provas concretas, estamos felizes em fornecê-las, e, na verdade, trouxe algumas hoje”, disse Leavitt, acenando com alguns papéis impressos.
Ela então mencionou quatro itens:
- Um contrato de US$ 36 mil para diversidade, equidade e inclusão nos Serviços de Cidadania e Imigração dos EUA;
- Um contrato de US$ 3,4 milhões para “inovação inclusiva” no Escritório de Patentes e Marcas dos EUA;
- US$ 57 mil para programas de mudança climática no Sri Lanka;
- Uma mina de calcário na Pensilvânia onde aposentadorias de funcionários federais são processadas manualmente.
“Alguém sabia que isso estava acontecendo em nosso país antes de Elon Musk falar sobre isso no Salão Oval ontem?” perguntou Leavitt retoricamente sobre o último item. No dia anterior, ela havia elogiado o departamento liderado por Musk por expor essa situação.
A primeira coisa a notar é que o processamento de aposentadorias nessa mina foi, na verdade, exposto há 11 anos pelo jornal The Washington Post, em uma reportagem chamada “Buraco negro da burocracia”.
A segunda coisa é que ainda não há evidências de que esses programas sejam fraudulentos. Mesmo ao descrevê-los, Leavitt os chamou de “contrários às políticas do presidente” e “contrários aos interesses do povo americano”. Nenhuma dessas coisas é ilegal.
Leavitt foi então pressionada a esclarecer se realmente estava dizendo que esses itens eram fraudes, e ela insistiu na acusação. “Eu argumentaria que todas essas coisas são fraudulentas, são desperdício e são um abuso do dinheiro dos contribuintes americanos”, afirmou.
Mais tarde, o ex-assessor de Trump Bryan Lanza admitiu na CNN que o que Leavitt apontou não era, de fato, fraude —mas sim desperdício.
(E, para ser claro, essa é uma distinção importante. Mesmo programas legais e autorizados podem parecer desperdício para algumas pessoas, mas isso não significa que se possa simplesmente eliminá-los arbitrariamente.)
Na quarta-feira, o gabinete de imprensa da Casa Branca tentou reforçar o argumento novamente. Após o New York Times observar que Musk não havia fornecido provas concretas para suas amplas acusações de fraude —incluindo a afirmação de que muitos burocratas tinham fortunas pessoais de dezenas de milhões de dólares e que funcionários da Usaid recebiam propinas— a Casa Branca divulgou um breve comunicado.
Mas, em vez de defender essas acusações específicas, apontou para uma estimativa de 2024 do Gabinete de Responsabilidade Governamental que sugeria que o governo federal havia perdido entre US$ 233 bilhões e US$ 521 bilhões anualmente devido a fraudes.
Porém, a reportagem do NYT nunca disse que não havia fraude no governo federal; disse que Musk não havia apresentado evidências concretas para suas acusações específicas. Além disso, o relatório do gabinete é apenas uma estimativa baseada em modelos, não uma prova definitiva.
(O que é ainda mais relevante é que essa estimativa se baseia, em grande parte, em fraudes já identificadas e em descobertas de inspetores-gerais —muitos dos quais Trump recentemente demitiu.)
Essa tem sido a abordagem geral de Trump para reformular o governo: grandes declarações hiperbólicas sem muita base concreta. Mesmo se incluirmos fraudes e supostos desperdícios, o checador do Washington Post Glenn Kessler observa que o Doge identificou publicamente “apenas cerca de US$ 2 bilhões em economias anuais a partir de itens orçamentários específicos” —uma quantia insignificante no orçamento total.
Apesar do crescente escrutínio sobre as acusações de fraude, Trump se recusou a recuar. “Aqui está algo onde você olha e vê que tudo isso é fraudulento”, disse ele sobre as concessões da Usaid. “Você sabe só de olhar para o assunto —é tudo fraudulento.”
Trump parece acreditar que muitas coisas que simplesmente não lhe agradam ou com as quais não concorda são fraudulentas, o que ajuda a explicar a postura atual da Casa Branca.
Mas isso não significa que sejam fraudulentas. E isso se torna um problema quando essa acusação é usada como justificativa para desmontar grandes partes do governo.