Suspensão de verba à agência ameaça mídia independente – 10/02/2025 – Mundo

Enquanto Donald Trump e Elon Musk avançavam com planos para fechar a Usaid (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), em todo o mundo alguns dos maiores críticos do Departamento de Estado estavam comemorando.

Por anos, líderes autoritários como Vladimir Putin e Viktor Orbán têm tentado reprimir os veículos de imprensa independentes de seus países —muitos apoiados por bolsas da Usaid— por meio de leis draconianas de mídia e casos criminais.

Agora muitas dessas organizações de mídia estão lutando para se manter após Musk anunciar planos de colocar os US$ 40 bilhões (cerca de R$ 231 bilhões) da Usaid “no triturador”, com a maioria dos 10 mil funcionários da organização postos em licença e um congelamento de três meses imposto aos gastos.

“Há tanta ironia nisso”, disse Derk Sauer, fundador do Moscow Times, um dos poucos veículos de notícias independentes da Rússia que não recebem financiamento da Usaid. “Putin tem tentado matar a mídia independente há Deus sabe quantos anos. Ironicamente, o país que tem essa liberdade de expressão está prestes a dar o golpe final.”

O vice-presidente do conselho de segurança russo, Dmitri Medvedev, que serviu como primeiro-ministro e presidente da Rússia em rodízio com Putin, elogiou o “movimento inteligente” de Musk “para calar a garganta profunda da Usaid”.

Balázs Orbán, diretor político do primeiro-ministro húngaro, também elogiou o congelamento. Líderes autoritários da América Latina que há muito acusam a Usaid de apoiar seus oponentes também se sentiram contemplados pela medida.

O orçamento de ajuda externa de 2025 incluía US$ 268 milhões (R$ 1,5 bilhão) alocados pelo Congresso para apoiar “mídia independente e livre fluxo de informações” ao redor do mundo, de acordo com a ONG Repórteres Sem Fronteiras, citando dados que foram removidos do site do governo dos EUA.

Jeanne Cavelier, chefe da seção de Europa Oriental e Ásia Central da RSF, alertou que o congelamento seria catastrófico para muitos veículos de mídia independentes da antiga esfera soviética, incluindo a Ucrânia, onde a maioria dos veículos depende de bolsas dos EUA.

Dos poucos meios de notícias independentes restantes na Belarus —todos agora exilados—, pelo menos seis relataram uma cessação completa de financiamento, disse Cavelier.

Criada pelo presidente John F. Kennedy (1917-1963) para combater a influência soviética durante o auge da Guerra Fria, a Usaid é mais conhecida por seu trabalho em resposta às piores emergências humanitárias do mundo, com grande parte de seus recursos atuais dedicados às crises na Faixa de Gaza e Ucrânia. A agência também tem sido uma apoiadora notável de organizações que promovem a democracia e veículos de imprensa independentes, muitos da antiga União Soviética.

Na Geórgia, o partido governante pró-Rússia há muito tempo critica o suposto envolvimento dos EUA em apoiar a oposição pró-europeia, que realizou protestos em grande escala contra a volta para a órbita de Moscou.

“O fato de que o dinheiro americano estava financiando o mal agora é reconhecido abertamente por Trump e sua gestão”, disse Mamuka Mdinaradze, chefe da bancada parlamentar do partido governante Georgia Dream.

Alguns dos projetos financiados pela Usaid eram focados em combater e desmascarar a propaganda russa, que está se espalhando nas redes sociais, apesar das sanções ocidentais aos veículos de propaganda, incluindo RIA Novosti e Russia Today.

Na América Latina, o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, recebeu bem a suspensão, alegando que apenas 10% do dinheiro da Usaid “chega a projetos reais que ajudam pessoas necessitadas”, enquanto o restante “é usado para alimentar a dissidência, financiar protestos e minar administrações que se recusam a se alinhar com a agenda globalista”.

O regime da Venezuela fez acusações semelhantes, com o ditador Nicolás Maduro acusando a agência dos EUA de financiar Juan Guaidó como parte de uma tentativa de derrubá-lo.

O presidente colombiano Gustavo Petro —um ex-membro de grupo guerrilheiro de esquerda— disse na terça (4) que o financiamento da Usaid era veneno e que o país sul-americano deveria financiar seus próprios programas governamentais. A Colômbia tem sido o maior beneficiário dos fundos da agência no hemisfério ocidental, recebendo cerca de US$ 400 milhões (2,3 bilhões) anualmente em financiamento para o desenvolvimento.

A Usaid havia anunciado seu retorno à Europa Central em 2022 após a invasão em larga escala da Rússia à Ucrânia, com um programa projetado para “fortalecer instituições democráticas, sociedade civil e mídia independente —os pilares de sociedades democráticas resilientes”.

Um beneficiário foi o site húngaro de reportagem investigativa Átlátszó, que recebia até 15% de seu orçamento operacional de programas da Usaid, de acordo com seu diretor fundador, Tamás Bodoky.

“Recebemos dinheiro para pesquisar a estrutura de propriedade dos fundos de private equity secretos da Hungria”, disse ele. Bodoky acrescentou que esperava que outros doadores, especialmente a UE, pudessem intervir para compensar a lacuna.

András Pethő, editor do site húngaro de reportagem investigativa Direkt36, que se beneficiou indiretamente de financiamento da Usaid, disse que a agência sediada em Washington desempenhou um “papel instrumental” com “segurança digital, treinamento, equipamento, dados técnicos e ajuda à pesquisa”.

Os veículos húngaros desenvolveram um modelo de assinatura na última década, em parte em resposta à repressão de Orbán à mídia independente. “Mas, quanto mais a leste você vai, menos as sociedades podem apoiar a mídia dessa maneira”, disse Pethő. “Lá, os veículos e jornalistas dependem muito mais do apoio estrangeiro.”

O financiamento da Usaid totalizou US$ 3,5 milhões (R$ 20 milhões) na Hungria em 2023, último ano em que os dados estavam disponíveis, em comparação com os US$ 1,7 bilhão (R$ 9,8 bilhões) da Ucrânia ou os US$ 309 milhões (R$ 1,7 bilhão) da Moldova. Os programas russos receberam pouco mais de US$ 100 milhões (R$ 578 milhões) naquele ano.

Um funcionário dos EUA com trânsito na Usaid disse acreditar que a organização não seria completamente desmantelada e que algum financiamento seria retomado após a revisão de 90 dias. No entanto, observadores independentes da mídia disseram que isso pode ser tarde demais.

Em Nova York, um grupo de meia dúzia de jovens jornalistas russos estudando com uma bolsa financiada pela Usaid disse que esperavam perder suas moradias e bolsas de estudo a partir da próxima semana.

Em seu círculo de colegas e amigos —jornalistas e ativistas, exilados da Rússia, mas também de outros países autoritários ao redor do mundo—, a situação era a mesma.