Ativistas em defesa dos palestinos fizeram campanha, no ano passado, contra a candidatura de Kamala Harris à Presidência dos Estados Unidos. Em protestos e comícios, levaram a mensagem de que a democrata não era uma aliada dos palestinos —e mais, que não havia grande diferença entre ela e o seu rival republicano, Donald Trump.
A vitória de Trump não significou uma melhora para a situação dos palestinos. Na terça-feira (4), ele sugeriu a remoção permanente da população da Faixa de Gaza e aventou a possibilidade de que os Estados Unidos ocupassem o território, transformando-o na “Riviera do Oriente Médio”.
Como João Paulo Charleaux escreveu nesta Folha, remover cerca de 2 milhões de pessoas à força de seu território seria um crime de guerra. Já uma eventual tomada de Gaza por soldados americanos violaria as regras das Nações Unidas.
Após uma forte reação internacional à fala, a Casa Branca sinalizou um recuo na quarta-feira (5). A secretária de imprensa, Karoline Leavitt, disse que Trump ainda não tinha decidido ocupar Gaza e que o deslocamento dos palestinos seria temporário, e não permanente.
Ainda assim, é um recuo parcial —e continua a incluir o deslocamento forçado de uma população civil. Trump, por sua vez, escreveu nesta quinta (6) que não prevê tropas americanas em Gaza, mas disse que o território seria entregue aos EUA quando a guerra acabar.
Analistas têm penado para avaliar as idas e vindas do novo governo. Muito do que o republicano promete parece tecnicamente inviável, como a deportação de milhões de imigrantes. Em outras áreas, como a das tarifas comerciais contra México e Canadá, ele voltou atrás.
No caso dos palestinos, porém, o horizonte é claro. Trump não aparenta ter interesse em encontrar uma solução para o conflito que leve em conta as reivindicações da população palestina. Pelo contrário, está se aproximando cada vez mais de Israel, fazendo dos Estados Unidos uma parte interessada na disputa — em vez de ser um negociador imparcial.
Ele falou sobre Gaza após se reunir com o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu. Na ocasião, o premiê se referiu ao republicano como o “maior amigo que Israel jamais teve na Casa Branca”. Tel Aviv tem razões para estar contente com o governo Trump.
A crise atual começou em 7 de Outubro de 2023, com o ataque terrorista do Hamas contra Israel, que matou cerca de 1.200 pessoas e fez 250 reféns. Em resposta, a ofensiva israelense matou mais de 46 mil palestinos, além de ter destruído a infraestrutura de Gaza.
Palestinos acusam Israel de cometer um genocídio contra o seu povo, algo que alguns líderes internacionais — incluindo o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva — ecoam.
Os palestinos e seus aliados tinham diversas críticas quanto ao governo do democrata Joe Biden. O ex-presidente, afinal, foi incapaz de pressionar Netanyahu para que encerrasse sua campanha militar em Gaza. Em vez disso, Biden continuou a fornecer-lhe armas. Só nos últimos dias de mandato conseguiu garantir um cessar-fogo, que de todo modo acabou contabilizado como uma vitória de Trump.
Quando Kamala anunciou sua candidatura, foi vista por palestinos como a continuação de um governo conivente com Israel. Ela era, afinal, a vice-presidente de Biden e estava atrelada a ele.
Isso motivou a mensagem, tanto implícita quanto explícita, de que não havia diferença entre ela e Trump. Enfureceu os palestinos, em especial, o fato de que Kamala se recusou a criticar a política de Biden e não se comprometeu a mudar de direção. Vêm daí grupos como o Abandon Harris (abandone Harris), que fez campanha contra a candidatura de Kamala.
A democrata não teve a oportunidade de provar que seus detratores estavam errados. Trump, até agora, tem mostrado que o seu governo vai apoiar Israel e se opor às reivindicações históricas dos palestinos por uma solução justa ao conflito. O Estado palestino, enquanto isso, está cada vez mais distante.