Em sua primeira entrevista desde que assumiu a Presidência da Síria, em 29 de janeiro, Ahmed al-Sharaa sentou-se com a Economist e apresentou sua visão para reconstruir o Estado sírio, fraturado e falido.
Quarenta e oito horas após o início de seu mandato, o ex-líder da Al-Qaeda na Síria, anteriormente conhecido pelo nome de guerra Abu Mohammad al-Jolani, delineou um cronograma para levar a Síria “na direção” da democracia e prometeu eleições presidenciais.
Muitos esperavam que sua ascensão marcasse uma mudança estratégica do país para longe das garras do Irã e da Rússia e em direção ao Ocidente. Na verdade, ele falou duramente sobre a presença militar dos Estados Unidos na Síria, que chamou de ilegal, acolheu negociações com Moscou sobre as bases militares russas e alertou Israel de que seu avanço em território sírio desde a queda do regime de Bashar al-Assad “causará muitos problemas no futuro”.
Havia poucos sinais da inclusão que ele havia antes mencionado com entusiasmo. Ele estava cercado por um pequeno grupo de conselheiros, na maioria oriundos de seu emirado em Idlib, no norte da Síria. Fora isso, o palácio cavernoso, seis vezes o tamanho da Casa Branca, estava vazio.
Sharaa sabe parecer ser tudo para todos. Quando anunciou sua Presidência, duas noites antes da entrevista, ele vestia uniforme militar diante de chefes de facções rebeldes. Na noite seguinte, falou aos sírios como civil, usando um terno preto e gravata verde. Para a entrevista, escolheu um visual hipster: um casual casaco de cor creme sobre uma camisa preta abotoada até o pescoço e calças justas, como se estivesse se preparando para sair em uma sexta-feira à noite. Ele parece preocupado com sua imagem e mencionou sua vestimenta três vezes, talvez porque saiba que os observadores farão muitas interpretações sobre ele a partir dela.
Suas mensagens, entregues em tons suaves, pareciam adaptadas para cada público. Mas as constantes mudanças tornam difícil avaliar um homem que orquestrou atentados suicidas para o Estado Islâmico (EI) e liderou a Al-Qaeda na Síria. Embora empossado como presidente interino, sua visão é de longo prazo. Muitas de suas promessas —como a elaboração de uma Constituição e a realização de eleições— foram adiadas em “três ou quatro anos”. Enquanto isso, ele está determinado a consolidar o poder que tomou.
Em primeiro lugar, existe a questão de poder: ele quer restabelecer a autoridade central do Estado fraturado da Síria e, com exceção dos curdos, afirma ter garantido acordos com todas as milícias do país para elas se juntarem a um novo Exército sírio. Todos os grupos, incluindo o seu próprio —Hayat Tahrir al-Sham (HTS)— diz ele, foram dissolvidas.
“Qualquer um que mantenha uma arma fora do controle do Estado” estaria sujeito a medidas não especificadas. Ele descartou um arranjo federal para lidar com a oposição curda, mas a projeção de um homem forte foi desmentida pela ausência de funcionários no palácio. Não havia ninguém à disposição para servir café, e apenas uma pessoa, recém-chegada ao país, pela primeira vez lidando com as comunicações. Seu ministro das Relações Exteriores, o ex-jihadista Asaad al-Shaibani, sentou-se ao seu lado dirigindo os procedimentos.
Em campo, sua força de 30 mil homens está igualmente espalhada. Como ele observa, “uma vasta área ainda está fora do controle do Estado sírio”. Nenhum dos comandantes rebeldes reunidos para a sua posse encenada aplaudiu durante a transmissão.
Nós também nos sacrificamos por uma década, disse um comandante rebelde do sul, irritado com o fato de que Sharaa assumiu o controle do que havia sido um esforço coletivo para derrubar os Assad.
Milícias rivais controlam a maioria das fronteiras do país. Muitos de seus chefes, alguns dos quais eram anteriormente oficiais do Exército sírio, estão relutantes em entregar suas armas, feudos ou comandos —o ministro da Defesa ainda não estabeleceu um prazo para que o façam.
Os curdos, que controlam os principais campos de petróleo, terras agrícolas e a barragem que fornece grande parte da eletricidade no leste da Síria, recusam-se a reconhecer o novo governo. Quando questionado sobre suas negociações com os curdos, Sharaa diz não ter “muito otimismo.”
Sharaa também luta para conter os excessos dos jihadistas que até então formavam sua base. Até agora, um banho de sangue foi evitado, mas o Ministério da Informação restringiu o acesso de jornalistas estrangeiros às províncias costeiras e a Homs, onde os assassinatos por vingança contra alauitas estão aumentando.
Sharaa classifica declarações sobre um ressurgimento do EI como “um grande exagero”. Mas ele admite que suas forças frustraram “muitas tentativas de ataque” desde que assumiu o poder. Acredita-se que células do EI estejam retornando a Damasco e outras cidades, absorvendo a crescente dissidência.
Em segundo lugar, está a questão de saber se ele realmente pretende cumprir suas promessas —ou pelo menos tentar. Na entrevista, Sharaa usou a palavra democracia publicamente pela primeira vez desde que assumiu o poder. “Se democracia significa que o povo decide quem os governará e quem os representará no Parlamento”, disse ele, um tanto sem entusiasmo, “então sim, a Síria está indo nessa direção”.
Ele insistiu que substituiria seu gabinete de leais de Idlib. Prometeu trocá-los em um mês por um “governo mais amplo e diversificado, com participação de todos os segmentos da sociedade”. Segundo ele, ministros e membros de um Parlamento recém-nomeado seriam escolhidos de acordo com “competência, não etnia ou religião”, levantando a possibilidade de que, pela primeira vez, ele possa nomear alguns não-sunitas.
Sharaa também realizaria eleições “livres e justas” e completaria a redação de uma Constituição junto com a ONU após “pelo menos, de três a quatro anos”. Também pela primeira vez, ele prometeu que haverá eleições presidenciais.
Mas Sharaa está equilibrando muitos grupos, incluindo sua base jihadista e uma maioria árabe sunita em grande parte conservadora. Se ele os privar dos despojos da guerra e do EI que prometeu quando governava Idlib, ele corre o risco de ver uma reação.
Sharaa transformou uma sala lateral no palácio presidencial em uma sala de oração e removeu os cinzeiros das mesas de café, em consonância com sua vertente puritana do islã. (Ele, no entanto, também deixou crescer o bigode, o que está em desacordo com a vertente.)
Durante a entrevista, ele disse que delegou a questão da sharia, a lei islâmica, para um de seus órgãos nomeados. Se o governo interino aprová-la, ele disse, “meu papel é aplicá-la [a decisão]; e se não a aprovarem, meu papel é aplicá-la, também”. Os processos acumulados serão julgados de acordo com o antigo código civil, acrescentou.
A formação de partidos políticos era outra questão para o comitê constitucional decidir.
Ele também não se comprometeu com a ideia de que as mulheres devem ter direitos iguais aos dos homens e tanto acesso ao poder quanto eles. Haveria um “amplo mercado de trabalho” para as mulheres, respondeu ele.
Isso provavelmente não satisfará as minorias religiosas da Síria, particularmente os alauitas, que tinham influência sob os Assad. Quando Sharaa fala de democracia, muitos suspeitam que ele se refere ao governo majoritário árabe sunita. “Em nossa região, há várias definições de democracia”, afirmou ele.
As eleições presidenciais poderiam se parecer com os plebiscitos de outros regimes árabes. Afinal, a Síria tem sido uma ditadura por todos os anos desde a independência, em 1946, exceto durante três anos, e Sharaa está determinado a desmantelar o que resta do Estado combalido, mas ainda funcional, que herdou. Ele dissolveu o partido Baath, de Assad, os aparatos de segurança e grande parte do serviço civil da ditadura, alimentando ansiedade entre os 1,3 milhão de ex-funcionários do Estado e suas famílias.
O maior desafio é a economia. A energia oscila uma hora por dia. A escala da reconstrução é inimaginável. E o país enfrenta uma crise de liquidez massiva (causada, segundo banqueiros, por atrasos nos envios de moeda da Rússia) e carece de dinheiro para pagar salários, mesmo em taxas miseravelmente baixas. “Sem desenvolvimento econômico, retornaremos a um estado de caos”, alerta o líder.
A recuperação só pode vir com ajuda do exterior. Em 30 de janeiro, Sharaa recebeu o emir do Qatar, o primeiro chefe de Estado a visitar a Síria desde a queda de Assad. Em 2 de fevereiro, ele fez sua primeira viagem ao exterior como presidente, para a Arábia Saudita, onde nasceu.
Antes da visita, ele destacou ambos como potenciais investidores em “grandes projetos”. Mas Sharaa também precisa dos Estados Unidos, cujas sanções, disse ele, representam “o maior risco” para seus planos. “O povo sírio já sofreu o suficiente.”
Sharaa elogiou Donald Trump por “buscar a paz na região” e falou sobre restaurar as relações diplomáticas “nos próximos dias”. Ele também tentou melhorar a posição regional da Síria prometendo interromper a exportação de captagon, uma anfetamina produzida em massa na Síria sob os Assad, e trazer combatentes estrangeiros sob o controle do governo.
Ele disse que havia prometido à Turquia que a Síria não seria uma base para o PKK, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, que apoia a administração curda no nordeste e é visto como terrorista por Ancara.
Sharaa, no entanto, carrega também o fardo de ser, ele e seu movimento, designados como terroristas. “Meu status é o de presidente da Síria, não do HTS”, ele protesta. Mas muitos na região estão indignados com sua nomeação de quadros do HTS para posições importantes e de jihadistas estrangeiros para postos no Exército.
Há sinais de que a frustração pode estar prejudicando seu cortejo inicial do Ocidente. Ele contrastou a prontidão da Rússia para negociar um acordo sobre suas bases militares com a relutância dos EUA.
Ele também disse que Israel “precisava recuar” do território que ocupou além das linhas de armistício de 1974 após a queda de Assad. O deslocamento de palestinos por Israel foi “um grande crime”, afirmou.
Perguntado se estaria pronto para seguir o príncipe herdeiro e governante da Arábia Saudita na prática, Mohammed bin Salman, se ele normalizasse relações com Israel, ele respondeu que “na verdade queremos paz com todas as partes”.
Sharaa observou, porém, que, enquanto Israel ocupasse Golã, um planalto montanhoso que conquistou em 1967, qualquer acordo seria prematuro. De qualquer forma, exigiria “um amplo acordo da opinião pública”.
Por enquanto, sob o comando de Sharaa, a Síria está no período mais calmo desde a Primavera Árabe, em 2011. O país está respirando mais livremente após meio século de regime totalitário. Mas seu novo presidente tem um longo caminho a percorrer para provar que é inclusivo, que sua visão de mundo jihadista ficou para trás e que ele é a melhor esperança do país para um novo começo.