Recentemente, um avião da Global Crossing Airlines, trazendo brasileiros deportados dos EUA, pousou em Manaus devido a falhas técnicas. Foi o primeiro voo após a posse de Donald Trump. Como ocorre desde 2019, esse avião deveria seguir até o Aeroporto Internacional de Confins. A partir dali os deportados seguiram com um avião da FAB para Confins.
Até o momento, o Brasil já recebeu 121 voos fretados dos EUA, trazendo 11.679 brasileiros deportados. Em vídeo publicado pela CNN, um evento chama a atenção: enquanto os deportados saem algemados da aeronave, ouve-se risadas ao fundo. Em seguida, um funcionário do aeroporto vira-se rapidamente para a câmera e ri. O que havia de tão engraçado em um processo marcado por tamanha violência humanitária dos Estados Unidos?
Não se trata de um caso isolado. Comentários odiosos e moralistas em matérias jornalísticas ou redes sociais, emitidos por muitos brasileiros, costumam conter essas risadas. Elas também estão em matérias que expõem as contraditórias medidas migratórias adotadas pelos EUA para expulsar migrantes indesejados. Aqueles que se valem do anonimato para “apenas” emitir suas opiniões, seguidas do riso. Sim, o famoso “kkkkkk”. O vídeo divulgado pela CNN permite-nos ouvir e visualizar essa risada de escárnio e punitiva. Um riso muito recorrente nas matérias sobre deportação de brasileiros.
De um lado, temos aqueles que acusam esses brasileiros de criminosos. A deportação seria o resultado por violarem as normas de um suposto país sério. Brasileiros que supostamente abandonaram o caos deixado pelo “comunismo” do PT e foram badernar o país alheio. Independentemente de os Estados Unidos ferirem a soberania brasileira, esse público defende o moralismo ianque. O “kkkkkk” vem como conclusão final. Do outro lado, temos uma parcela que ri desses deportados, pois, supostamente, apoiaram a candidatura de Trump. Estariam agora sentindo na própria pele o peso da xenofobia trumpista e a profunda alienação política em que estão mergulhados. Ainda que durante os quatro anos de Biden e Kamala, quase 10 mil brasileiros foram deportados sob as mesmas condições.
O riso é uma forma de constranger aqueles que, de algum modo, acham-se acima dos demais ou de valores coletivos. O riso tem a função social de manter a ordem. Ele reforça o meu julgamento sobre aqueles algemados em Manaus.
Porém, ao rir, eu me abstenho de debater questões geopolíticas sérias que estão envolvidas não apenas naquelas algemas, mas no meu dia a dia. Ao invés de questionar a ideia de que migrantes seriam responsáveis pelo aumento da “criminalidade”, de refutar a contínua violação dos direitos humanos, ou de indagar a agenda econômica brasileira excludente, que expulsa tantos de nós por décadas, eu debocho.
Ao final, o riso apenas expõe a nossa indiferença com a dor do próximo, revela a nossa ignorância sobre o que os levou a tentar a vida no exterior. Rimos e sentenciamos muitos de nossos conterrâneos. No fundo, rimos de nós mesmos. Um riso raivoso e triste. Um riso burro.
Enfim…Pobre de um povo que ri da sua própria miséria social.
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